Em 19 de junho de 2021, o Brasil passou de meio milhão de mortos pela Covid-19, marca então alcançada apenas pelos Estados Unidos. Até janeiro de 2021, em uma lista de 98 países, o Lowy Institute calculou que a performance administrativa brasileira em conter a pandemia do coronavírus foi a mais precária entre todas nações avaliadas. No estudo, cada país recebeu uma nota de 0 (pior performance possível) a 100 (melhor performance possível) com base em seis variáveis; casos confirmados; mortes confirmadas; casos confirmados por milhão de habitantes; mortes confirmadas por milhão de habitantes; e número de testes por mil habitantes. O Brasil ficou com a pontuação de 4.3, indicando que as medidas tomadas foram insuficientes ou irrelevantes no contexto pandêmico vivido. Se compararmos a performance brasileira com algumas nações vizinhas, ficamos bem atrás de países, como o Paraguai com 40.9(58°) ou o Uruguai com 75.8(14°).

 

Imagem 1 – Países com a pior gestão da pandemia de Covid-19, Janeiro de 2021.

Fonte: Lowy Institute, 2021.

 

Outro estudo, publicado pelo IPEA (HECKSHER, 2021), demonstra que o Brasil registrou, em 2020, mais mortes por Covid-19, proporcionalmente ao número de habitantes, do que 89,3% de um conjunto de 178 países. No entanto, caso se leve em conta a estrutura demográfica dos países, em termos de idade e sexo, o quadro devidamente ajustado é ainda pior: neste caso, o desempenho do Brasil é inferior ao de 95% dos países com dados registrados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Porém, conforme já havia sido alertado por diversas instituições e especialistas, nunca houve um dilema, uma escolha, entre preservar vidas ou preservar empregos. E, como o Brasil não foi capaz de controlar a pandemia, à tragédia e ao sofrimento pelas mortes, somou-se um dos piores desempenhos na preservação dos empregos do mundo. O mesmo estudo publicado pelo IPEA aponta que, em comparação com outros 63 países com dados de ocupação disponíveis, a piora do desemprego no Brasil, durante os três últimos trimestres de 2020, foi mais intensa do que a de 84% dos países analisados. O gráfico 1, elaborado pela LCA Consultoria, também ilustra esta realidade.

 

Fonte: LCA Consultores

 

Estes dados refletem, sem dúvidas, diversas fragilidades, erros e omissões deliberadas na gestão da pandemia. Todavia, cabe notar que a organização federativa do Brasil distribui autoridade, responsabilidades e recursos entre diferentes esferas e atores. Assim, ainda que a responsabilidade maior por financiar, regular e, principalmente neste caso, coordenar seja do Governo Federal, é preciso trazer para o debate as peculiaridades de cada esfera administrativa e os diferentes níveis de esforço, capacidade e êxito dos níveis subnacionais de governo. Com a Constituição Federal de 1988, o município foi introduzido dentro do rol de entes federativos e passou a dispor de maior autonomia administrativa, legislativa, política e financeira. Durante a pandemia, o papel desse ente se mostrou mais claro e expressivo (principalmente diante da omissão da União), levantando diversos confrontos acerca do seu poder de decisão nas políticas sanitárias adotadas. Por essa razão, em abril de 2020, momento em que o país experimentava as primeiras medidas de distanciamento social, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que decretos e orientações expedidas pela União não poderiam afastar as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais, ressaltando, assim, que a atuação dessas esferas de poder é essencial para o levantamento de um diagnóstico local e execução das operações necessárias ao enfrentamento do avanço da doença.

Dessa forma, 5.568 prefeituras implementaram diferentes medidas e planos de ação, algumas mais restritas que outras, mas uma característica marcante que delimitou a performance das municipalidades foi quem liderava o corpo administrativo. Um estudo publicado na Social Science Research Network (SSRN)1, demonstrou que cidades com prefeitas tiveram 25,52 menos mortes por milhão de habitantes e 46,95 menos hospitalizações por cem mil habitantes, quando comparadas àquelas lideradas por prefeitos, mesmo levando em conta diversas variáveis sociais e econômicas dos municípios. Essa grande discrepância se deve às medidas implementadas por tais gestões, já que os municípios administrados por mulheres apresentaram maior tendência em adotar o uso compulsório de máscara, a proibição de aglomerações e a imposição de cordões sanitários dentro dos limites territoriais.

 

Mas por que as prefeitas adotam com mais frequência essas medidas?

Certos estudos já apontaram que as mulheres apresentam fortes inclinações em investir mais em saúde. No entanto, dados coletados acerca das despesas com saúde entre 2016 e 2019 e na variação do número de leitos entre 2017 e janeiro de 2020 nos municípios brasileiros não encontraram diferenças relevantes para indicar que as prefeitas dedicaram mais recursos e esforços nessa área no cenário pré-pandêmico. A faixa etária, a escolaridade e o perfil ideológico também foram testados como fatores explicativos, mas nenhum comprovou ser significativo o suficiente para demonstrar tamanha diferença na performance entre prefeitos e prefeitas. 

Os autores especulam possíveis explicações para o maior sucesso feminino na gestão da pandemia e apontam que outros trabalhos sugerem que os homens são mais propensos aos riscos e demonstram excesso de autoconfiança com mais frequência do que as mulheres. Essas características – mais prudência e cautela e maior confiança na ciência – indicariam o porquê das líderes municipais adotarem com maior frequência intervenções não farmacológicas (distanciamento, máscaras etc.) durante a pandemia e consequentemente obterem números de morte e internação significativamente menores que os prefeitos. Contudo, esses apontamentos não são conclusivos e mais pesquisas são necessárias para aclarar os resultados encontrados. 

De todo modo, a presença de mulheres na liderança e na política já é comprovadamente benéfica, seja do ponto de vista social ou representativo. Por outro lado, o atual cenário político brasileiro é quase exclusivamente masculino, com um pouco mais de 11% de prefeitas eleitas para o mandato de 2016- 2020 e com um aumento muito baixo nas eleições de 2020 para considerarmos um futuro mais promissor da liderança feminina no país.

 

1 Na pesquisa foram investigados 700 municípios. 

 

Autores: Guilherme dos Reis Leão Costa, sob a supervisão de Bruno Lazzarotti Diniz Costa

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências

Brasil ultrapassa 500 mil mortes por Covid-19 – Jornal O Globo. [s.d.]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-ultrapassa-500-mil-mortes-por-covid-19-25068606. Acesso em: 7 ago. 2021.

Covid Performance – Lowy Institute. [s.d.]. Disponível em: https://interactives.lowyinstitute.org/features/covid-performance/. Acesso em: 2 ago. 2021.

HECKSHER, Marcos. Mortalidade por Covid-19 e Queda do Emprego no Brasil e no Mundo. IPEA, [S. l.], n. 1, p. 1–13, 2021. Disponível em: 210514_nt_mortalidade_emprego_marcos_hecksher_public_preliminar.pdf (ipea.gov.br).

BRUCE, Raphael; CAVGIAS, Alexsandros; MELONI, Luis; REMÍGIO, Mário. Under Pressure: Women’s Leadership During the COVID-19 Crisis. SSRN Electronic Journal, [S. l.], 2021. DOI: 10.2139/SSRN.3883010. Disponível em: https://papers.ssrn.com/abstract=3883010. Acesso em: 2 ago. 2021.

Supremo Tribunal Federal. [s.d.]. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1. Acesso em: 2 ago. 2021.

Eleições 2016: número de prefeitas eleitas em 2016 é menor que 2012. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/eleicoes-2016-numero-de-prefeitas-eleitas-em-2016-e-menor-que-2012 . Acesso em: 6 ago. 2021.

 

 

 

 

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