Figura 1 – O voto feminino no Brasil

Fonte: Câmara dos Deputados – Parlamento Jovem Brasileiro. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais/educacao-para-a-cidadania/parlamentojovem/noticias_para_voce/pjb-na-historia-o-voto-feminino-no-brasil-1>. Acesso em: 25 de fev. 2022

 

Nesta semana, dia 24 de fevereiro de 2022, a conquista do direito ao voto feminino no Brasil faz 90 anos. O Código Eleitoral de 1932 permitiu às mulheres brasileiras, pela primeira vez, se posicionarem politicamente por meio do voto e serem votadas, representando os seus interesses coletivos. Antes do Código Eleitoral, o voto feminino era permitido apenas no Rio Grande do Norte, a partir de uma lei estadual de 1927, apesar da anulação dos 15 votos femininos nas eleições de 1928. 

Essa conquista resultou da luta e das pressões do movimento sufragista que já se manifestava no país desde o século XIX, com influências do movimento que se fortalecia em outras partes do mundo. Contudo, a luta pela participação política feminina vai muito além do direito ao voto, por fundamental que esse seja, de modo que as reivindicações por voz, espaço e respeito na vida pública ainda são atuais. 

Um século antes do voto feminino, em 1832, Nísia Floresta¹, considerada uma das primeiras feministas brasileiras, trazia ao Brasil ideias de igualdade política entre mulheres e homens, em sua tradução livre da obra Reivindicação dos direitos da mulher¹ – um clássico da literatura feminista de Mary Wollstonecraft – defendendo a educação feminina e a racionalidade das mulheres, capazes de pensar por si, de tomar decisões e de participar na vida política. A obra de Wollstonecraft é uma resposta à misoginia predominante no pensamento iluminista da época e à Constituição Francesa de 1791, que ignorou o papel fundamental das mulheres na Revolução Francesa, negando a elas  os direitos políticos conquistados. Além do destaque na literatura feminista brasileira, Nísia Floresta atuou em defesa da educação das mulheres: fundou um colégio para meninas com um currículo que era ofertado apenas ao público masculino nos colégios tradicionais. 

As reivindicações pelo espaço para decisões próprias e participação na vida pública continuou com a organização do movimento sufragista no Brasil, que questionava a exclusão das mulheres da política. Nessa linha, destacam-se as manifestações culturais produzidas por mulheres, como a peça O voto feminino, escrita por Josefina Álvares de Azevedo em 1890². Durante as primeiras décadas do século XX, Leolinda Figueiredo Daltro atuou como uma das principais lideranças na formação do movimento sufragista brasileiro, criando, em 1910, um partido político composto exclusivamente por mulheres, o Partido Republicano Feminino (PRF)³. Daltro foi também a primeira a registrar formalmente a solicitação de aprovação do voto feminino no Congresso. A liderança de Bertha Lutz também merece destaque: à frente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada em 1922, realizou, no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso Internacional Feminista do Brasil, também em 1922. Bertha Lutz foi suplente da única mulher eleita dentre as 19 candidatas do sexo feminino para a Assembleia Constituinte de 1933, Carlota de Queirós. 

No longo e inconcluso caminho pela conquista de direitos políticos, os impactos do patriarcalismo sobre a atuação das mulheres resultam em discursos, comportamentos e ideias – quando não em violência aberta –  ainda presentes na sociedade atual, colocando obstáculos à participação das mulheres nesses espaços. A visão da mulher como incapaz e submetida à autoridade do homem, reduzida à feminilidade e aos papéis de mãe e de dona de casa, busca mantê-las longe dos espaços que podem possibilitar mudanças na posição de inferioridade das mulheres. Percebe-se, portanto, que o direito ao voto não foi uma concessão masculina, mas o resultado de um processo de mobilização e organização feminina em busca de direitos. Tampouco encerrou a luta pela participação; foi antes a abertura de uma nova frente, de um novo espaço,  de mobilização, diálogo e disputas.

No Brasil atual, a participação feminina na política ainda apresenta sinais do atraso na conquista de direitos políticos, de modo que ainda há uma muito forte predominância masculina nos cargos políticos. Esta desigualde, de um lado, expressa as desvantagens e opressão impostas às mulheres em vários âmbitos das relações sociais e, especialmente, das relações de poder – no âmbito doméstico, do mercado de trabalho, no acesso a bens e serviços, entre tantos outros. De outro lado, sua subrepresentação na arena política contribui para a manutenção destas destas desvantagens, limitando a capacidade de pautar sua própria agenda ou impondo a ela um olhar eminentemente marcado pelas relações patriarcais e machistas. A persistente desigualdade entre o número de representantes do sexo feminino eleitas e os do sexo masculino mostram que, apesar da conquista formal dos direitos políticos, ainda existe um longo caminho para a sua efeitvação. 

A composição do Congresso Nacional após as eleições de 2018 explicita essa realidade: enquanto as mulheres compõem 52% da população brasileira, elas ocupam apenas 15% da Câmara dos Deputados e 16% do Senado, de acordo com os dados representados no gráfico abaixo4. Dessa forma, elas não possuem as mesmas oportunidades nos processos de decisão e os interesses coletivos das mulheres, maioria da população, ficam prejudicados. 

 

Gráfico 1 – Composição do Congresso Nacional por gênero a partir do resultado das eleições de 2018     

Fonte: Dados do Tribunal Superior Eleitoral e da Pnad Contínua 2019. Disponível em: <http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Boletim-n%C2%BA10-Desigualdade-Pol%C3%ADtica2-1.pdf> Acesso em: 24 fev. 2022

 

Em comparação aos demais países, o Brasil possui um dos legislativos mais desiguais, como mostra a pesquisa da organização Inter-Parliamentary Union, que utiliza como indicador o percentual de parlamentares mulheres em exercício nas câmaras baixas ou parlamento unicameral. No ranking de 193 países, o Brasil ocupa a 142ª posição, de acordo com os dados de 20205. O gráfico abaixo compara o resultado de países selecionados no indicador, mostrando o atraso do Brasil na igualdade entre sexos. 

 

Gráfico 2 – Proporção de parlamentares mulheres em exercício em câmara baixa ou parlamento unicameral, segundo países selecionados (%)

Fonte: Estatísticas de Gênero, IBGE, 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf> Acesso em: 24 fev 2022

 

Apesar da Lei n. 12.034/2009 estabelecer que no mínimo 30% das candidaturas de cada partido ou coligação deve ser de representantes do sexo feminino, a proporção de candidatos para cada sexo ainda é desigual, como mostra o gráfico 3. Um fator relacionado à baixa representatividade feminina é a falta de apoio material às candidaturas de mulheres, inclusive no âmbito dos partidos políticos, de acordo com os dados divulgados pelo IBGE (gráfico 3)5. Enquanto as mulheres representavam, nas eleições para deputado federal de 2018, 32,2% das candidaturas, apenas 18% das candidaturas com receita superior a 1 milhão de reais eram femininas.

 

Gráfico 3 – Distribuição das candidaturas a deputado federal e das candidaturas com receita superior a 1 milhão de reais (%)

Fonte: Estatísticas de Gênero, IBGE, 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf> Acesso em: 24 fev 2022

 

Além da falta de oportunidades para que as mulheres ocupem os espaços de tomada de decisões, quando elas chegam a esses lugares têm que enfrentar outros desafios relacionados à dominação masculina no meio político. A desadequação desses espaços à realidade feminina, o desrespeito e a ridicularização, o assédio e a violência política são alguns desses obstáculos. 

Essa foi a realidade encontrada pela primeira presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, eleita em 2010, que enfrentou uma série de ataques misóginos pela oposição. Como argumenta Zdebsky (2015)6, a insistência da mídia em tratar a presidenta Dilma pelo masculino (presidente) já apontava uma oposição à ocupação do mais alto cargo da política brasileira por uma mulher. Explicitando ainda mais a misoginia nas críticas à presidenta, veículos tradicionais de comunicação apresentaram a imagem de Dilma como o estereótipo da mulher emocionalmente instável ou “histérica”6. Ademais, campanhas de oposição ao governo utilizaram adesivos da presidenta com as pernas abertas na abertura do tanque de automóveis, simbolizando uma violação ao seu corpo. Tais ataques mostram que, mesmo que ocupe o mais alto cargo do executivo, a misoginia continua sendo uma ameaça à mulher no meio político. 

Outro obstáculo em ser uma mulher em um meio dominado por homens é a inadequação desses espaços às mulheres. Um exemplo extremo disto é que, até 2016, não havia banheiro feminino no Plenário do Senado, após 55 anos de sua inauguração. A licença maternidade é outra questão que complica a participação de mulheres no legislativo: até 2021, os dias de licença maternidade eram registrados como ausências para as deputadas, gerando cobranças dos eleitores e constrangimento para as políticas em licença. 

Essas situações mostram que a recente conquista do voto feminino, em 1932, é apenas o início de um longo caminho para a superação das desigualdades de gênero enraizadas na política brasileira. Além da importância dos direitos formais, a mudança nas lógicas de dominação dos homens sobre os espaços públicos e de inferiorização da mulher são essenciais para garantir a participação de todos nas decisões públicas. A luta das sufragistas do passado deve servir de inspiração para que os direitos conquistados sejam ampliados e assegurados para todas as mulheres.

 

Autores: Anna Clara Mattos, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências

1 WOLLTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.

2 Mulheres no Brasil: Voto feminino. Brasília, Tribunal Superior Eleitoral, 2011. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/mulheres-brasil-voto-feminino.pdf> Acesso em: 24 fev 2022

3 BESTER, Gisela Maria. A luta sufrágica feminina e a conquista do voto pelas mulheres brasileiras: uma perspectiva histórica. Argumenta Journal Law, n. 25, p. 327-343, jul/dez 2016. Disponível em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/907/pdf> Acesso em: 24 fev 2022

4 Política, participação, desigualdade, e o que podemos fazer a respeito. Observatório das Desigualdades, ago. 2020. Disponível em: <http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Boletim-n%C2%BA10-Desigualdade-Pol%C3%ADtica2-1.pdf> Acesso em: 24 fev 2022

5 Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas – Informação Demográfica e Socioeconômica,  n.38, IBGE, 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf> Acesso em: 24 fev 2022

6 ZDEBSKYI, Janaína;  MARANHÃO, Eduardo; PEDRO, Joana. A histérica e as belas, recatadas e do lar: misoginia à Dilma Rousseff na concepção das mulheres como costelas e dos homens como cabeça da política brasileira. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/29077> Acesso em: 24 fev 2022

FOTO DA CAPA: retirada de reportagem da página da Câmara dos Deputados, como segue a referência abaixo

PJB na história – o voto feminino no Brasil. Câmara dos Deputados, Brasília, 25 de mar. 2021. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais/educacao-para-a-cidadania/parlamentojovem/noticias_para_voce/pjb-na-historia-o-voto-feminino-no-brasil-1>. Acesso em: 25 de fev. 2021. 

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