O professor é, naturalmente, um artista, mas ser um artista não significa que ele ou ela consiga formar o perfil, possa moldar os alunos. O que um educador faz no ensino é tornar possível que os estudantes se tornem eles mesmos.

Paulo Freire

Possuir uma educação de qualidade deve ser o objetivo de qualquer país. Mesmo que a trajetória educacional seja resultado de múltiplos fatores (contexto social, infraestrutura escolar, etc.), “é impossível conceber um sistema educacional de boa qualidade sem bons professores” (BRITO; WALTENBERG, 2020, p.4). É consenso, ademais, que dentre todos os elementos que compõem a educação escolar, os professores são, isoladamente, o mais importante. A escolarização é um processo longo e complexo de relações sociais, que se concretiza na experiência cotidiana dos estudantes, no contexto específico das escolas. E são principalmente os professores aqueles profissionais que estão diariamente em sala de aula (seja ela qual for) para ensinar e preparar seus alunos para o presente e para o futuro (BRITO; WALTENBERG, 2020). 

No contexto do Dia dos Professores (15 de outubro), esse texto visa analisar a que ponto estamos e o quanto ainda temos que avançar no Brasil quanto ao nosso corpo docente, sua qualificação, sua remuneração e a valorização da profissão no país. 

 

  1. Formação e qualificação dos professores

Um fator relevante para a garantia de uma educação de qualidade é a importância da formação e qualificação dos profissionais de educação, que está relacionada com os determinantes de desempenho cognitivo dos alunos. Segundo Sousa et al. (2022), esses determinantes podem ser divididos em três grupos: as características da escola, as características familiares e as características do próprio aluno. Se observarmos especificamente  as características da escola, serão as características dos professores e como ele exerce a profissão, a relação professor-aluno, o clima escolar, a forma de gerir a escola  as principais influências no desempenho dos alunos (Sousa et al., 2022).

Dessa forma, a capacidade de produzir efeitos cumulativos no longo prazo na formação e no desempenho cognitivo dos alunos, torna a qualidade dos professores e de sua atuação um importante determinante, sendo um foco interessante para estratégias de políticas públicas. A qualidade dos professores é algo pouco tangível, mas pode ser, grosso modo,  indicada por alguns elementos, como: a experiência desses profissionais; nível de escolaridade; formação na área lecionada; a não rotatividade do profissional; práticas e comportamentos em sala de aula; habilidades acadêmicas; e destreza na condução do processo de ensino-aprendizagem (Sousa et al., 2022). 

Um desafio persistente no Brasil é a qualificação dos professores. Segundo dados do “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, em 2019, dos mais de dois milhões de docentes lecionando, apenas 85 % dos professores possuem escolaridade de nível superior. Além disso, se tomarmos como exemplo a formação dos professores da Educação Infantil, como mostra a figura 1, o percentual de professores com formação superior adequada à área de conhecimento que lecionam para a Educação Infantil entre os municípios varia significativamente. Entre os estados, o Rio de Janeiro é o que apresentou pior resultado em 2021, com apenas 28% dos professores com qualificação adequada, enquanto Rondônia teve o melhor resultado, visto que 78% dos profissionais apresentaram formação adequada. Em relação ao país como um todo, apenas 68% dos professores possuíam formação em concordância com a área lecionada. Isso acaba por explicitar um cenário preocupante, devido à importância da Educação Infantil na formação do indivíduo e do impacto que a qualificação dos docentes possuem no desenvolvimento cognitivo e na socialização das crianças.

 

Figura 1 – Percentual de docências em Educação Infantil de professores com formação superior adequada à área de conhecimento que leciona, por município – Brasil

Fonte: INEP, 2022

 

As Figuras 2 e 3 evidenciam as desigualdades regionais e socioeconômicas do sistema educacional brasileiro, como verificado no “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, em 2019, em que as regiões Norte e Nordeste possuíam o maior percentual de professores da educação básica sem diploma de ensino de superior em comparação com as demais regiões. Isso mostra-se principalmente válido para os anos finais do Ensino Fundamental, enquanto para o Norte e o Nordeste apenas 45,5% e 42,5%, respectivamente, dos profissionais possuem formação superior adequada para as áreas lecionadas, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, essas porcentagens são iguais a 64,1%, 71,7% e 68,3%. Contudo, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, as regiões apresentam menos diferenças, exceto o Nordeste, que inclusive apresenta um percentual de professores com qualificação não adequada a sua área inferior à média nacional.

 

Figura 2 – Percentual de docências nos anos iniciais do Ensino Fundamental de professores com formação superior adequada à área de conhecimento que leciona, por município – Brasil

Fonte: INEP, 2022

 

Figura 3 – Percentual de docências nos anos finais do Ensino Fundamental de professores com formação superior adequada à área de conhecimento que leciona, por município – Brasil

Fonte: INEP, 2022

 

2. Rendimento dos professores

A profissão docente é, como se sabe, uma atividade exigente e desgastante, ainda que gratificante. Para atrair, manter e motivar os melhores candidatos e profissionais, é preciso que a sociedade reconheça seu valor, em termos de prestígio e remuneração. No entanto, a desvalorização da educação e de seus profissionais se reflete na remuneração dos professores, que, em geral, não recebem salários justos e coerentes à importância social do seu papel. Em 2020, o Brasil apresentou a pior posição entre 40 países em relação à remuneração inicial dessa categoria, de acordo com a pesquisa realizada pela OCDE. A remuneração anual inicial para professores do ensino secundário no Brasil era de US$ 14.345,00 em 2020, enquanto a média dos países da OCDE foi de US$37.466,00 (gráfico 4). 

 

Figura 4 – Salário inicial dos professores do Ensino Secundário (2020)

Fonte: OCDE (2021)

 

De modo similar, esse descaso pode ser observado internamente quando a remuneração dos professores da educação básica pública é comparada com a média dos profissionais com nível superior completo: o rendimento médio dos professores equivale a apenas 82,5% do rendimento médio das demais profissões (INEP, 2022). Com isso, percebe-se uma desvalorização dos professores não apenas em comparação com outros países, mas também em relação a outras carreiras no Brasil.

 

Figura 5 – Relação percentual entre o rendimento bruto médio mensal dos profissionais do magistério das redes públicas da educação básica, com nível superior completo, e o rendimento bruto médio mensal dos demais profissionais assalariados, com nível superior – 2012-2021

A figura 5 traz que a equivalência entre o rendimento médio dos professores e o rendimento médio das demais profissões vem aumentando na série histórica. No entanto, nos últimos anos, isso se deve mais ao decréscimo do rendimento dos demais profissionais (uma perda real de 16%), do que ao aumento expressivo do rendimento dos professores, que foi de somente 6,2% nesses 10 anos analisados, enquanto a inflação no período foi superior a 60% (INEP, 2022)

A remuneração insuficiente faz com que parte dos professores, principalmente aqueles que estão no início da carreira, trabalhem em mais de uma escola. De acordo com o relatório da pesquisa TALIS 2018 (OCDE, 2020), em alguns sistemas educacionais, isso possibilita a diversificação das funções exercidas pelos profissionais nas escolas. Por outro lado, o acúmulo de turmas e funções sobrecarrega os docentes com uma maior carga horária e mais atividades para além das horas de aula, o que dificulta o desenvolvimento de relações nas escolas e limita as possibilidades de um ensino com maior dedicação e atenção a cada turma. Ainda segundo a pesquisa da OCDE, o percentual de professores que lecionam em múltiplas instituições é maior na rede pública, na área rural e em escolas com maior concentração de estudantes com piores condições socioeconômicas. Dessa forma, garantir remunerações justas aos professores é fundamental para que eles possam se dedicar de modo adequado e com segurança aos alunos e às instituições em que trabalham. 

O atual governo federal contribui para um cenário de aprofundamento dos problemas enfrentados pela educação no Brasil e de ameaça aos docentes do país. Primeiramente, o discurso da “escola sem partido” – que defende a limitação aos conteúdos abordados pelos professores nas aulas, considerados pela linha conservadora do presidente “ideológicos” – estimula a perseguição aos professores e limita a liberdade para a discussão e o ensino nas escolas. Assuntos relacionados às questões sociais e à educação sexual, por exemplo, são reprimidos nessa linha, enquanto representam questões fundamentais para a formação e o desenvolvimento do pensamento crítico das crianças e adolescentes. Outra linha de ataque à educação é o sucateamento das universidades públicas por meio dos cortes nos repasses às federais. Neste mês de outubro, o MEC anunciou um bloqueio a recursos da educação que inviabilizaria o funcionamento de universidades em todo o país, mas voltou atrás após pressão das instituições federais. 

Tendo em vista esse cenário, a valorização dos professores não deve se limitar ao dia 15 de outubro (Dia dos Professores), ela deve se traduzir na defesa dos direitos dessa classe e no respeito ao seu trabalho fundamental para a educação, ao contrário das políticas adotadas no Brasil nos últimos anos. Os professores estão na base da formação dos brasileiros e, para que essa formação seja crítica e libertadora, é necessário primeiramente dar condições dignas e respeitosas aos profissionais da educação.

 

Autores: Alexandre Henrique, Anna Clara Mattos e Lorena Auarek, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências

BRITTO, Ariana; WALTENBERG, Fábio. Atratividade da carreira de professor da Educação Básica pública no Brasil. Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020. Disponível em: <https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/cede/2021/publica%C3%A7%C3%B5es/informes%20de%20pol%C3%ADtica%20p%C3%BAblica/IPP-001-BRITTO-A-WALTENBERG-F.-2021.-Atratividade-da-carreira-de-professor-da-Educacao-Basica-publica-no-Brasil.pdf>. Acesso em: 17 ou

IPEC. Relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação. Ministério da Educação.  Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2022.

OECD (2020). TALIS 2018 Results (Volume II): Teachers and School Leaders as Valued Professionals. OECD Publishing, Paris. Disponível em: <https://www.oecd-ilibrary.org/education/talis-2018-results-volume-ii_19cf08df-en>. Acesso em: 17 out. 2022. 

OECD (2022). Education at a Glance 2022: OECD Indicators. OECD Publishing, Paris. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/3197152b-en>. Acesso em: 17 out. 2022. 

SOUSA, Luisa Almeida et al. A DISTRIBUIÇÃO DE INSUMOS ESCOLARES E SEU IMPACTO SOE A DESIGUALDADE EDUCACIONAL:: uma análise do efeito docente sobre o 9º ando da rede públicaBR de Minas Gerais. Revista INTERFACE-UFRN/CCSA ISSN Eletrônico 2237-7506, v. 19, n. ESPECIAL, p. 81-107, 2022.

TODOS PELA EDUCAÇÃO. Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020. Editora Moderna. Disponível em:<https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/10/Anuario-Brasileiro-Educacao-Basica-2020-web-outubro.pdf>

Este post tem um comentário

Deixe um comentário