Quem segurava com força a chibata agora usa farda
Engatilha a macaca
Escolhe sempre o primeiro negro pra passar
Escolhe sempre o primeiro negro pra passar na revista
(Todo camburão tem um pouco de navio negreiro – O Rappa)

A discriminação racial é um problema histórico e recorrente nas políticas públicas de segurança no Brasil. Enquanto o Estado deveria atuar no sentido de reduzir as desigualdades – além da obrigação de tratar os cidadãos de forma universal – a prática da segurança pública revela uma marcante discriminação racial (OLIVEIRA JR., 2013). Essa desigualdade se manifesta, por exemplo, por meio de abordagens e agressões mais frequentes por policiais a pessoas negras, maior vitimização desse grupo por violência física, psicológica e sexual, maiores taxas de homicídio e encarceramento.

No Brasil, a violência, o medo e a falta de segurança são elementos cotidianos na realidade da população negra e periférica. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2019), 20,6% das pessoas pretas e 19,3% das pardas sofreram violência física, psicológica ou sexual nos 12 meses anteriores à pesquisa, enquanto o resultado foi de 16,6% para pessoas brancas. O percentual para as mulheres foi ainda mais grave: 21,3% das mulheres pretas sofreram violência, 20,2% das pardas e 18,0% das brancas (gráfico 1).

Gráfico 1 – Percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade que sofreram violência física, psicológica ou sexual nos últimos 12 meses – Brasil (2019)

Fonte: IBGE (2022)

A ocorrência de homicídios também revela uma face brutal da desigualdade racial: a taxa para homens negros de 15 a 29 anos é de 136,5 homicídios por 100 mil habitantes, três vezes superior à taxa para homens brancos na mesma faixa etária (gráfico 2). O Mapa da Desigualdade Racial na Violência mostra que 77% das vítimas de homicídio em 2020 eram negras, número bastante superior aos 56% da população que se declaram negros. Em uma série histórica, percebe-se um aumento do percentual negros dentre as vítimas de homicídio na última década, que era de 67% em 2010 (gráfico 3). Esse aumento pode ser explicado, por um lado, pelo aprofundamento da violência racial e, de outro, pelo crescimento da auto identificação das pessoas como negras, além da possível relação com a repercussão da crise econômica sobre a criminalidade e a exclusão social (MENA, 2022).

Gráfico 2 – Taxa de homicídio de homens (por 100 mil habitantes) – Brasil (2020)

Fonte: IBGE (2022)

 

Gráfico 3 – Proporção racial das vítimas de homicídio no Brasil de 2010 a 2020

Fonte: Mapa da Desigualdade Racial na Violência (MENA, 2022)

Toda essa violência observada é reforçada pelo racismo presente nas instituições públicas. Oliveira Jr. e Lima (2013) argumentam que, na atuação dos policiais em contato com os cidadãos, existe um critério de subjetividade na abordagem de suspeitos, de modo que pessoas negras sofrem um olhar diferenciado, sendo levantadas suspeitas sobre esse grupo com maior frequência. Os autores exemplificam esse comportamento por meio de uma pesquisa realizada em Recife (BARROS, 2008 apud OLIVEIRA JR. e LIMA, 2013), em que foram realizadas enquetes com policiais militares. Uma das perguntas foi sobre a abordagem de condutores de veículos: enquanto 21% dos policiais militares consideram suspeita uma pessoa negra dirigindo um carro de luxo, apenas 2,6% levantariam suspeita para uma pessoa branca. 

A letalidade policial tampouco é aleatória. Em Minas Gerais, o perfil das pessoas envolvidas em intervenções policiais que produzem mortos ou feridos apresenta maioria de pessoas negras, sendo 68,4% dos cidadãos negros (gráfico 4). Na mesma linha, a taxa de vitimização letal e não letal para cidadãos pretos pela polícia é de 3,8 pessoas por 100 mil habitantes, 2,4 para pardos e 0,9 para brancos (gráfico 5). 

Gráfico 4 – Raça/cor dos envolvidos em intervenções policiais letais e não letais (cidadãos e policiais) – Minas Gerais (2013 – 2018)

Fonte: NESP/FJP 

Gráfico 5 – taxas de vitimização dos cidadãos pela polícia em intervenções letais e não letais – Minas Gerais (2013 – 2018)

Fonte: NESP/FJP 

Oliveira Jr. e Lima (2013) explicam essa discriminação por meio do conceito de racismo institucional: manifestações do racismo nas instituições, por meio de normas e práticas discriminatórias no cotidiano das organizações. Essa prática não se expressa de forma declarada, mas por meio de discriminações “(…) na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população” (OLIVEIRA JR. e LIMA, 2013, p. 22), do ponto de vista racial. Nas polícias, o racismo institucional se manifesta por meio da discriminação explicitada pelos gráficos acima, que mostram envolvimento e vitimização desproporcionais para pessoas negras. 

Desse modo, as desigualdades raciais são reforçadas e a população negra segue vítima da insegurança e da violência de forma desproporcional. Com isso, fica evidente que os grupos mais vulneráveis, além de não receberem o serviço adequado, são prejudicados pela atuação discriminatória da polícia. O papel do Estado nessa questão deve ser de combate ao racismo institucional e revisão das políticas públicas de segurança sob a ótica das desigualdades. 

 

Elaboração: Anna Clara Mattos, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências

Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. IBGE, 2022. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2022.

MENA, Fernanda. Risco de assassinato é 3 vezes maior para negros do que para não negros no Brasil. Folha de São Paulo, 21 nov. 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/11/risco-de-assassinato-e-3-vezes-maior-para-negros-do-que-para-nao-negros.shtml>. Acesso em 22 nov. 2022.

OLIVEIRA JR., Almir; LIMA, Verônica. Segurança pública e racismo institucional. IPEA, 2013. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5931>. Acesso em: 22 nov. 2022. 

Letalidade e vitimização policial em Minas Gerais 2013 a 2018: Dinâmica das ocorrências e perfil dos envolvidos. NESP/FJP. 

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