O saneamento básico é, constitucionalmente, um direito fundamental que impacta de forma direta a dignidade da população, uma vez que atinge a saúde pública e a educação. Nesse sentido, esse serviço inclui abastecimento de água, manejo de resíduos sólidos, esgotamento sanitário, dentre outras assistências essenciais para a sociedade. Infelizmente, a população mais carente é a mais afetada pela precariedade do saneamento básico, haja vista que a maioria das pessoas em situação de vulnerabilidade vivem nas periferias e experimentam na pele as falhas do governo em garantir o provimento desses recursos.

No âmbito do tipo de esgotamento sanitário presente nos estados brasileiros, a forma mais encontrada é o esgotamento por rede geral ou pluvial. Juntamente com a categoria fossa séptica/ fossa ligada à rede, esses dois tipos representam os que são ligados a alguma forma de serviço público responsável por recolher e dar prosseguimento ao esgoto domiciliar para seu tratamento adequado. Nesse sentido, de acordo com dados do IBGE (2022), 62,5% da população possuía atendimento por coleta de esgoto. Ainda, 24,3% viviam em moradias com condições de esgotamento sanitário mais debilitadas. 

A quantidade de cidadãos que residem em domicílios com esgotamento via rede coletora associa-se com o tamanho da população dos municípios. Dados do IBGE (2022) afirmam que os municípios que contam com até 5000 habitantes possuem somente 28,6% da população residindo em domicílios com coleta de esgoto. Já nos municípios com 500001 habitantes ou mais, a porcentagem chega a 83,4%.

Ainda, a maior parcela dos brasileiros em domicílios que contavam com coleta de esgoto era residente da Região Sudeste, com um percentual de 86,1%. Por outro lado, a Região Norte era a que contava com a menor proporção, de 22,8%. Acerca dos estados do país, São Paulo é o que possui maior cobertura, com 90,8%, enquanto o Amapá possui a menor, com 10,9%. A tabela 1 possibilita ter uma dimensão desse cenário. 

Tabela 1 – Distribuição percentual dos moradores por tipo de esgotamento sanitário do domicílio

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022

 

Ainda, na Região Norte do Brasil, a população que não possui acesso à água é de 42,6%, configurando a menor média entre as regiões nacionais, segundo o Instituto Trata Brasil (2019). Em 2018, a região em questão representava apenas 4,29% dos investimentos em abastecimento de água de todo o país. Na perspectiva da região, observa-se que há uma escassez de investimentos na oferta apropriada de serviços de esgoto, limpeza urbana e distribuição de água. Por outro lado, os recursos alocados para lidar com as consequências da ausência desses serviços são consideravelmente elevados (MONTEIRO; BRANDÃO; CASTRO, 2017 apud OLIVEIRA et al., 2021). No Ranking do Saneamento de 2021, também divulgado pelo Instituto Trata Brasil, quatro capitais da Região Norte estão entre as 10 piores no ranking que avalia indicadores de água e esgotos em 100 cidades brasileiras, como observa-se na tabela abaixo.

 

Tabela 2 – 20 piores do ranking em saneamento

Fonte: Instituto Trata Brasil, 2021

 

Na perspectiva da destinação do lixo, dados coletados pelo Censo Demográfico mostram que a parcela da população abrangida pela coleta de lixo tem aumentado a cada operação censitária. Em 2000, 76,4% da população possuía atendimento pela coleta de lixo, aumentando para 85,8% em 2010 e atingindo 90,9% em 2022. Todavia, esse crescimento não extinguiu as desigualdades regionais de acesso. Na Região Norte, 78,5% da população era atendida pela coleta de lixo domiciliar em 2022, diferentemente da Região Sudeste, em que o número sobe para 96,9%.

 

Impactos na propagação de doenças

A falta de saneamento básico adequado tem como uma de suas principais consequências, também, a proliferação de doenças de veiculação hídrica, o que compromete a saúde da população. Dessa forma, há um grande gasto dos órgãos públicos no tratamento de enfermos, o que poderia ser revertido em outras áreas, como a educação, possibilitando um avanço significativo da nação em termos desenvolvimentistas. Além disso, um maior investimento em outros domínios daria condições mais favoráveis para que indivíduos em situação de vulnerabilidade social possam ascender socialmente, no contexto do Brasil atual. Ainda, uma região em que o saneamento básico é de qualidade conta com maiores frequências escolares de crianças e adolescentes, fato esse que proporciona uma melhora considerável do desempenho acadêmico, algo importante para o mercado de trabalho.

De acordo com Carvalho e Adolfo (2012), a precariedade dos serviços de coleta e tratamento de esgoto sanitário e de resíduos sólidos é o principal fator que se relaciona de forma direta com a mortalidade infantil. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que as mortes por diarreia – doença de transmissão hídrica e alimentar – são mais frequentes nas Regiões Sudeste e Nordeste brasileiras, sendo que as Regiões Sul e Sudeste são as melhores assistidas por serviços de saneamento básico. Na tabela 3, pode-se observar, por região brasileira, os índices de doenças e seus aspectos relacionados.

Tabela 3 – Saúde e saneamento por região brasileira

Fonte: DATASUS 2021

 

A questão racial e o saneamento básico

Ainda, é possível realizar um recorte de raça acerca das desigualdades envolvendo o acesso ao saneamento básico. De acordo com o IBGE (2022), no cenário nacional, indivíduos de cor ou raça amarela e branca são os que possuem maiores índices de acesso aos serviços de saneamento básico e maior incidência de instalações sanitárias nos domicílios. Por outro lado, a parcela preta, parda e indígena da população é menos favorecida nesses aspectos, fato esse expresso no gráfico 1.

Gráfico 1 – Proporção dos moradores em domicílios particulares, segundo a cor ou a raça

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022

É importante ressaltar que as circunstâncias de saneamento e moradia dos povos indígenas somente são examinadas de forma justa levando em consideração suas minúcias culturais.

A disparidade na garantia de saneamento básico entre grupos de cor e raça possuem relação com o fator distribuição geográfica, tendo maior incidência de pessoas brancas ou amarelas em cidades dotadas de condições mais favoráveis de saneamento e em Grandes Regiões. Todavia, mesmo levando o viés geográfico em consideração, as desigualdades raciais permanecem relevantes.

Matos (2020) destaca que no estado do Rio de Janeiro o acesso ao saneamento básico era de apenas 36,82% pelo povo fluminense, prejudicando principalmente os residentes de favelas, lugares em que os indivíduos são, em sua maioria, negros e pobres. Nesse sentido, essa situação de calamidade não aflige bairros de elite, como Leblon e Ipanema.

Nesse sentido, nos últimos anos houve um acirramento do debate acerca da privatização do saneamento básico no contexto geral da nação. Sob essa análise, a privatização seria o ato de vender, definitivamente, uma empresa pública. Matos (2020) afirma que pobres e negros serão os principais afetados pela privatização desse serviço, vinculando esse debate ao racismo ambiental. Segundo Herculano (2008), o conceito de racismo ambiental aborda as disparidades sociais e ambientais que afetam de maneira desigual grupos étnicos vulneráveis. O racismo ambiental não está limitado apenas a ações intencionalmente racistas, mas também se manifesta por meio de ações que tenham consequências raciais, independentemente da intenção inicial que as motivou. Nessa visão, muitas pessoas desempregadas ou financeiramente vulneráveis não terão condições de pagar as altas tarifas que virão com o estabelecimento da água como mercadoria. 

Conclusão

Percebe-se que a questão da ausência ou da insuficiência do saneamento básico no contexto brasileiro perpassa por variadas questões, não se restringindo somente a aspectos basilares. A garantia desse direito se equivale, em méritos de importância, a ter o que comer e onde dormir, componentes fundamentais da dignidade humana. Assim, é essencial que as pessoas mais afetadas por essa problemática, principalmente os moradores da Região Norte do país, que há muito é negligenciada, sejam libertas do ciclo de degradação social que a falta de abastecimento de água e esgotamento sanitário propicia.

Referências

CARVALHO, S; ADOLFO, L. O direito fundamental ao saneamento básico como garantia do mínimo existencial social e ambiental, 2012. Disponível em: <https://seer.atitus.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/286>

Instituto Trata Brasil. Ranking do saneamento, 2021. Disponível em: <https://bkp-trata.aideia.com/tratabrasil.org.br/images/estudos/Ranking_saneamento_2021/Relat%c3%b3rio_-_Ranking_Trata_Brasil_2021_v2.pdf>

OLIVEIRA, C et al. Saneamento básico e a relação intrínseca com o desenvolvimento sustentável: um desafio frente à desigualdade socioeconômica na Região Norte do Brasil, 2021. Disponível em: <https://www.meioambientebrasil.com.br/index.php/MABRA/article/view/144/112>

MATOS, A. Racismo ambiental: privatização do saneamento afetará sobretudo a negros e pobres, 2020. Disponível em: <https://xapuri.info/racismo-ambiental-privatizacao-do-saneamento-afetara-sobretudo-a-negros-e-pobres/>

HERCULANO, S. O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental, 2008. Revista de gestão integrada em saúde do trabalho e meio ambiente, v. 3, n. 1, p. 01-20. Disponível em: <https://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2013/07/art-2-2008-6.pdf>

IBGE. Censo demográfico 2022: características dos domicílios: resultados do universo, 2024. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3106/cd_2022_domicilios.pdf>

Autora: Beatriz Acácio, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

Deixe um comentário