Nas duas últimas notas, analisamos a evolução do Brasil na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes nas áreas de saúde e de educação 30 anos após a promulgação do Estatuto da Criança do Adolescente. Se naquelas áreas foram apontados grandes avanços, como a queda da mortalidade infantil e a redução significativa do analfabetismo, em outras os indicadores apontam para uma piora do quadro. É o caso da violência contra crianças e adolescentes, que tem sua manifestação mais extrema nos homicídios cometidos contra este público. Nos homicídios contra jovens na faixa etária de 10 a 19 anos, os números mais que dobraram, passando de 5 mil em 1990 para 11,8 mil em 2017 (DataSUS). O gráfico abaixo mostra a evolução do número de homicídios entre 2007 e 2017.

Fonte: DataSUS. Elaboração- Unicef, 2020.

As crianças e adolescentes que vivem em um território vulnerável acabam se tornando mais exposta a este tipo de violência.  Um estudo realizado em 2017 pelo UNICEF e parceiros sobre a trajetória de adolescentes mortos em sete cidades do Ceará mostrou que metade das mortes aconteceu a cerca de 500 metros da casa da vítima, a maioria localizada em bairros específicos, desprovidos de serviços básicos de saúde, assistência social, educação, cultura e lazer. Ainda, o estudo mostrou que mais de 68% das vítimas eram “não brancos”; 70% estavam fora da escola havia pelo menos seis meses; 78% tiveram experiências de trabalho, a maioria no mercado informal, sem garantias trabalhistas.

A vida desses jovens é marcada, desde cedo, por violações de direitos. A maioria das vítimas é negra – em 2017, os negros representavam 82,9% das vítimas de homicídios entre 10 e 19 anos no Brasil –, pobre, que veio das periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades. Enquanto os homicídios crescem entre os não brancos, os homicídios de adolescentes brancos vêm caindo nos últimos 10 anos. Para reduzir as taxas elevadas, a UNICEF tem promovido articulações com órgãos governamentais e representantes da sociedade civil, como a criação de comitês pela prevenção de homicídios na adolescência.

É o que ocorreu no estado de São Paulo em 2019, com o lançamento do Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, uma iniciativa da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e da Unicef. O comitê tem o intuito de articular entre os parceiros a criação de diagnósticos sobre as questões de homicídios de adolescentes no Estado de São Paulo, bem como buscar o engajamento de outras instituições públicas, sociedade civil e movimentos sociais.

Entre 2007 e 2017, mais de 6.800 adolescentes entre 15 e 19 anos foram assassinados no Estado de São Paulo, sendo 676 somente em 2017 (Datasus). Desde 2015, a taxa de homicídios de adolescentes de 15 a 19 anos é maior do que as taxas entre a população de 20 anos ou mais (Datasus e Fundação Seade). Em 2017, adolescentes tinham 85% mais chances de ser vítimas de homicídios do que jovens e adultos, no Estado de São Paulo. Já a taxa de homicídios de adolescentes (15 a 19 anos) negros era 23,5 mortes por 100 mil em 2017, enquanto a taxa de homicídios de adolescentes brancos era de 13,4 mortes por 100 mil. Isso significa que a probabilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio era 75% maior do que a de um adolescente branco.

Portanto, os dados demonstram que a questão da violência contra os jovens se mostra como o principal atraso em relação à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes no país. São urgentes políticas públicas efetivas que considerem as diferenças sociais para a redução do número de homicídios de jovens brasileiros, merecendo especial atenção as áreas de elevada vulnerabilidade.

 

Referências:

Unicef. 30 Anos da Convenção sobre os Direitos das Crianças: avanços e desafios para meninas e meninos no Brasil. 2020. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/sites/unicef.org.brazil/files/2019-11/br_30anos_cdc_relatorio.pdf

Adolescentes têm 85% mais chances de morrer vítimas de homicídios no Estado de São Paulo do que a população em geral. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/adolescentes-tem-85-mais-chances-de-morrer-vitimas-de-homicidios-no-estado-de-sao-paulo

Homicídios de adolescentes mais que dobraram, diz Unicef. Poder 360. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/homicidios-de-adolescentes-mais-que-dobraram-diz-unicef/

IPEA. Atlas da Violência 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/7047-190802atlasdaviolencia2019municipios.pdf

 

Autor: Rafael Campanharo [granduando em Relações Econômicas Internacionais na UFMG], sob a orientação de Bruno Lazzarotti [pesquisador na FJP].

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