“Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

 Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.

Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.

 Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo”

Pedagogia da Autonomia – Paulo Freire (p.53, 1996)

Em vista da complexidade estrutural e histórica da temática educacional no Brasil, ser professor é um exercício permanente. Muitas vezes, o professor precisa ultrapassar as barreiras do abismo social brasileiro para conseguir exercer a sua profissão e garantir a educação, não somente como valor, mas também como meio de transformação e esperança. Paulo Freire (1921-1997), um dos maiores educadores do século XX, dizia que o verdadeiro professor é aquele que encara os seus desafios exercendo o seu papel de transformação, e principalmente, de libertação, pois a “educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Portanto, o professor possui a responsabilidade de agir, para além do aprendizado, formando cidadãos livres e críticos que estão a serviço da transformação social.

O Dia do Professor foi criado há quase 100 anos (Lei catarinense nº 145, de 12 de outubro de 1948) pela a professora Antonieta de Barros (1901-1952), primeira mulher negra parlamentar no Brasil, que representou muito bem o papel de transformação e de libertação da educação. Educadora, jornalista e política, Antonieta de Barros, filha de escrava liberta, nasceu em Santa Catarina, treze anos depois da abolição da escravatura. Num país fortemente conservador, racista e patriarcal, a professora Antonieta de Barros superou barreiras e começou a lecionar em 1922, quando Santa Catarina tinha cerca de 70% da população sem saber ler e escrever. Com coragem e altivez, lutou para combater o analfabetismo, a promoção da educação de qualidade para todos, a emancipação feminina e valorização da cultura negra na sociedade brasileira.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) garantem a educação, não somente como valor, mas também como princípio fundamental e direito social (art. 6º, CF/88) que está diretamente relacionado aos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da CF/88) e de proteção à cidadania (art. 205, CF/88). Se analisarmos os dados atuais sobre a educação básica, percebemos que, em todos os níveis (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), o Brasil avançou na ampliação do acesso, com aumento significativo no número de matriculas, contribuindo para a democratização do acesso à educação. Segundo dados do IBGE, foram mais de 48 milhões de matrículas na educação básica em 2017.

Apesar dos esforços empreendidos por tantos educadores, como a professora Antonieta de Barros, é relevante considerar que o Brasil, atualmente, ainda possui uma dívida social e histórica com a educação e persistem importantes desigualdades. Se olharmos para os dados, existem milhões de adultos que não tiveram acesso à educação na idade própria. Outro dado que chama atenção é que, em 2019, mais de onze milhões de pessoas com mais de 15 anos são analfabetas, além dos jovens e adolescentes que estão fora da escola ou com disparidade na idade-série. Essas questões representam alguns dos desafios que ainda temos que enfrentar em relação ao acesso à educação.

No Gráfico 1, podemos perceber outro desafio persistente no país: a formação dos professores.  Segundo dados do “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, dos mais de dois milhões de docentes lecionando, apenas 85 % dos professores possuem escolaridade de nível superior. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação recomenda que todos os professores da educação básica tenham formação em nível superior e o Plano Nacional de Educação estipula que até 2024 todos os professores sejam formados em nível superior, pois professores com mais qualificação estão mais preparados para exercer a função de docente e para desenvolver atividades de desenvolvimento educacional com resultados mais positivos.

Mesmo considerando apenas os professores que possuem curso superior, segundo dados de “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, nas turmas de ensino fundamental (anos finais), mais de 40% dos professores não possuíam formação compatível com as disciplinas que lecionavam. Essa questão também evidencia a baixa capacidade de atração e retenção de profissionais mais especializados na rede pública, fator que pode estar ligado à precarização das carreiras, com baixos salários e condições de trabalho ruins. Segundo estudo da OCDE, que abarcou 40 países, o Brasil é o que remunera pior seus professores nos anos finais do ensino fundamental.

Os dados sobre a formação de professores evidenciam também as profundas desigualdades regionais e socioeconômicas do sistema educacional brasileiro. Segundo o “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, em 2019, as regiões Norte e Nordeste possuíam o maior número percentual de professores da educação básica sem diploma de ensino de superior: 16,5% e 23,5%, respectivamente, dos docentes possuíam no máximo o curso de ensino normal ou magistério (de nível médio). Paralelamente, a região Sul e Centro-Oeste possui a maior porcentagem de professores pós-graduados do Brasil (61,3% e 45,8%) e a menor porcentagem de docentes sem ensino superior (10,2% e 7,5%)

Se analisarmos o caso do Estado de Minas Gerais, percebemos, primeiramente, que a formação adequada de professores ainda é um desafio a ser superado. O Estado possui 89,8% dos professores da educação básica mineira com curso superior, porém 30% desses professores atuavam em disciplinas incompatíveis com a sua formação específica em 2017.  Além disso, a distribuição dos docentes com formação adequada é bastante desigual no estado, variando conforme o nível socioeconômico da escola. É o que mostra o gráfico 2: nas escolas de níveis socioeconômicos mais baixos (Grupo 1, 2) está concentrado o menor percentual de professores mais qualificados (com ensino superior), comparativamente com os grupos de escolas com melhores níveis socioeconômicos (Grupos 3, 4 e 5), em que está concentrado o maior percentual de professores com nível superior completo.  Ou seja, as escolas que atendem os adolescentes de maior vulnerabilidade são também aquelas que apresentam a menor adequação geral do corpo docente, o que gera impacto nas oportunidades de aprendizagem dos alunos mais pobres, agravando ainda mais a desvantagem educacional das populações mais vulneráveis – ao invés de corrigi-las.

Professores menos qualificados e inexperientes com alta rotatividade – em combinação com outros fatores, como a falta de disponibilidade de livros e recursos didáticos de qualidade, turmas com maior número de alunos e infraestrutura precária – evidenciam a disparidade entre crianças jovens de diferentes classes sociais.

Os dados apresentados apontam para as persistentes desigualdades,  que impedem o direito fundamental do acesso à educação com qualidade a quem mais precisa, o que constitui um obstáculo ao alcance da justiça social. Contudo, estas questões não podem ser vistas como meras fatalidades, representando uma confluência de escolhas políticas e econômicas, que devem ser alteradas. Portanto, o Brasil não está apenas condenado a apenas reproduzir suas desigualdades históricas, existem alternativas para transformar a Educação Básica brasileira, e um dos pontos que exigem mudança é a qualificação dos professores, principalmente nas escolas que atendem o público mais vulnerável. Não há como falar em educação como direito social sem abordar as condições que precisam ser asseguradas ao profissional a quem atribuímos a missão de promover esse direito a todas as crianças, jovens e adultos. É fundamental compreender a natureza do problema e planejar politicas públicas que formem, valorizem o trabalho docente da forma que eles merecem e o Brasil precisa.

Finalizamos este texto celebrando o Dia do Professor. Hoje, são mais de 2 milhões de docentes da educação básica que tem encarado os desafios, que jamais imaginariam estar vivenciando, durante a pandemia, e continuam exercendo o seu papel de transformação e de libertação dos seus alunos por uma educação mais equânime e inclusiva.

 

REFERÊNCIAS

SOUZA, N.R.M., COSTA, B. L. D, RIANI, J. L.R. Vulnerabilidades De Educação, Trabalho eRenda em Minas Gerais. Fundação João Pinheiro. Minas Gerais, Brasil. [2020].

TODOS PELA EDUCAÇÃO. Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020. Editora Modena. Disponível em: <https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/securepdfs/2020/10/Anuario-Brasileiro-Educacao-Basica-2020-web-outubro.pdf> Acessado em 15 de outubro de 2020.

TORRES, A. Antonieta de Barros, a parlamentar negra pioneira que criou o Dia do Professor. Disponível em <https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-10-15/antonieta-de-barros-a-parlamentar-negra-pioneira-que-criou-o-dia-do-professor.html> Acessado em 15 de outubro de 2020

 

Autores: Fackson Henrique Eugênio Rocha [graduando em Administração Pública na Fundação João Pinheiro] e Luísa Filizzola Costa Lima [graduanda em Administração Pública na Fundação João Pinheiro] sob a supervisão de Matheus Arcelo Fernandes Silva [mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais  e pesquisador na Fundação João Pinheiro] e Bruno Lazzarotti Diniz Costa [doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador na Fundação João Pinheiro].

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