Por mais que você corra, irmão

Pra sua guerra vão nem se lixar

Esse é o X da questão

Já viu eles chorar pela cor do orixá?

E os camburão o que são?

Negreiros a retraficar

Favela ainda é senzala, Jão

Bomba relógio prestes a estourar

(Boa Esperança – Emicida)

 

Dando continuidade à série de posts da Semana da Consciência Negra, vamos falar um pouco sobre como a desigualdade racial e o racismo estrutural se manifestam no mercado de trabalho. A discriminação, segundo Paixão et. al. (2012), atua diferenciando os grupos do acesso aos mecanismos de mobilidade social (emprego, educação, proriedade), à justiça e à segurança. Nesse contexto, Almeida (2019), nos traz a ideia de que “a raça é um marcador determinante da desigualdade econômica, e que direitos sociais e políticas universais de combate à pobreza e distribuição de renda que não levam em conta o fator raça/cor mostram-se pouco efetivas” (Almeida, 2019, p. 122).

Retomando o último post, a desigualdade educacional dos negros em relação aos brancos vai se refletir também no mercado de trabalho, fazendo com que os primeiros tenham maior chance de serem encontrados nas ocupações de trabalhos manuais de baixa qualificação e remuneração, e mesmo entre essas, desempenhando as tarefas de menor prestígio. Segundo Almeida (2019), “o racismo faz com que a pobreza seja ideologicamente incorporada quase que como uma condição “biológica” de negros e indígenas, naturalizando a inserção no mercado de trabalho de grande parte das pessoas identificadas com estes grupos sociais com salários menores e condições de trabalho precárias” (Almeida, 2019, p. 135).

Quando analisamos os dados da Pnad Contínua de 2021, vemos que a população negra – pretos e pardos – compõem a maior parte da força de trabalho desocupada e subutilizada. É verdade também que entre as pessoas na força de trabalho, a maior parte é negra, mas cabendo a ressalva que em proporção menor que os desocupados e subutilizados.

 

Gráfico 1 – População na força de trabalho, desocupada e subutilizada (%)

Fonte: IBGE, 2022

 

Em cargos gerencias, essa desigualdade entre brancos e negros é ainda mais eviente, já que 69% desses cargos de liderança são ocupados por pessoas brancas. Quando dividimos esse dado nos quintos de rendimento, vemos que à medida que o rendimento desse trabalho aumenta, a quantidade de pessoas negras que ocupam o cargo diminui.

 

Gráfico 2 – Pessoas ocupadas em cargos gerenciais, segundo quintos em ordem crescente de rendimento do trabalho principal (%)

Fonte: IBGE, 2022

 

Quando analisamos o rendimento do trabalho – que é a principal fonte de renda para a aquisição de bens e serviços e para o padrão de consumo de indivíduos e famílias, é possível observar que o rendimento de pessoas brancas é bem superior ao de pessoas pretas e pardas, chegando, em 2021, a ser 75% superior. 

No entanto, se a desigualdade educacional explica parte da desigualdade racial no mercado de trabalho, ela não explica tudo. O próprio mercado de trabalho cria e mantém mecanismos específicos de descriminação e produção de desigualdades. O Gráfico 4, em que os rendimentos do trabalho são desagregados pelo nível de instrução dos indivíduos, deixa isto bem claro. Para um mesmo nível de instrução, os rendimentos dos negros são inferiores aos rendimentos dos brancos, seja qual for a escolaridade alcançada pelos trabalhadores. E mais: essa desigualdade vai se mostrar maior nos graus mais altos  de instrução, mostrando que há mecanismos que vetam o acesso dos negros às posições mais bem recompensadas, mesmo quando apresentam as credenciais educacioanais para isto.

 

Gráfico 3 – Rendimento habitual do trabalho principal das pessoas ocupadas (R$/mês)

Fonte: IBGE, 2022

 

Gráfico 4 – Rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas ocupadas (R$/hora)

Fonte: IBGE, 2022

 

Almeida (2019) lembra que “o racismo é um elemento de um complexo jogo, que mescla uso da força e a reprodução da ideologia a fim de realizar a domesticação dos corpos entregues indistintamente ao trabalho abstrato: será por isso que parte da sociedade não verá qualquer anormalidade na maioria das pessoas negras ganharem salários menores, submeterem-se aos trabalhos mais degradantes, não estarem nas universidades importantes, não ocuparem cargos de direção, residirem nas áreas periféricas das cidades e serem com frequência assassinadas pelas forças do Estado” (Almeida, 2019, p.142).

Essa discussão no Brasil pode ser aprofundada ao falar de ações afirmativas, que ainda hoje não são uma unanimidade como política pública, embora seja reconhecido o problema do racismo e da desigualdade. Nas universidades, as ações afirmativas ainda são frutos de muita discussão e de muitas acusações de fraude, como o caso, amplamente divulgado, em que 6 alunos foram expulsos da USP (https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/23/usp-expulsa-6-alunos-da-graduacao-por-fraude-em-cotas-para-pessoas-pretas-pardas-e-indigenas.ghtml). Em empresas, a discussão sobre cotas ainda é muito emergente e, quando realizado, como o caso da Magazine Luiza (https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2021/09/21/magalu-repete-trainee-so-para-negros-programa-foi-de-utilidade-publica.htm), é fruto de muita discussão.

Existe um caminho ainda muito longo a se trilhar acerca da igualdade racial no Brasil, seja quando falamos em mercado de trabalho, em rendimentos, em educação e entre vários outros fatores. A partir do reconhecimento que o racismo é um problema estrutural e que é “um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade” (Almeida, 2019, p.20), é que começamos a enfrentá-lo.

 

Para saber mais…

Indicamos aqui alguns conteúdos para aprofundar seus conhecimentos:

  • Livro: Racismo Estrutural – Silvio Almeida
  • Livro: Mulheres, Negras e Gestoras? Porque Sim! – Letícia Godinho e Renata Seidl
  • Filme: Medida Provisória (2020)
  • Filme: AmarElo – É Tudo Pra Ontem (2020)

 

Elaboração: Alexandre Henrique, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências:

ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. 264 p.

IBGE. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. IBGE: Estudos e Pesquisas, Informação Demográfica e Socioeconômica, n.47. Rio de Janeiro, 2022

PAIXÃO, Marcelo et al. Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil: 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond; Laeser; IUPERJ, 2011.

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