Passou a vigorar no dia 01 de maio, Dia do Trabalhador, o novo valor do salário mínimo anunciado pelo presidente Lula, de R$ 1320,00, representando um aumento de 1,4% ou R$ 18,00. Enquanto nos últimos sete anos a tendência foi de redução de direitos dos trabalhadores e desmonte das políticas sociais, o primeiro de maio deste ano chegou em um clima de perspectiva de diálogo e reconstrução. O salário mínimo é um elemento muito relevante para a economia do país, que pode ter grandes impactos sobre o consumo, as desigualdades e outros fatores que serão explorados abaixo. Neste momento simbólico, o aumento significa um ganho real para os trabalhadores, o que não ocorria desde o segundo governo Dilma, como mostra o gráfico 1. Ao contrário, houve perdas reais no salário mínimo nos governos Temer e Bolsonaro, de 0,2% e 1,2%, respectivamente.

Tabela 1 – Valorização real do salário mínimo por governo (média móvel de 12 meses, deflacionada pelo IPCA)

Fonte: Carrança (2023); dados do IBGE e do Dieese. 

Apesar da suposição comum de que o aumento do salário mínimo é acompanhado por perdas de postos de trabalho, a realidade brasileira mostra que isso depende do contexto econômico em que a medida ocorre, de acordo com as compensações do Estado e do setor privado (SANCHES et al, 2023). Nesse sentido, o governo deve adotar políticas compensatórias que não anulem o efeito de redução das desigualdades, como ocorreria no caso de redução de gastos públicos, podendo realizar mudanças na tributação. 

Por outro lado, os impactos positivos do aumento são vários, incidindo sobre a desigualdade, o poder de compra, o bem-estar social e o desenvolvimento econômico. Como instrumento de distribuição, o estudo realizado por Sanches et al (2023) mostra que a política de valorização do salário mínimo afeta, principalmente, a metade mais baixa da distribuição de renda. Reforçando essa linha, o Dieese reconhece o combate à pobreza entre os trabalhadores mais vulneráveis como uma das principais funções do salário mínimo no Brasil.  Ainda deste ponto de vista, Gomes et alli (2023) enfatizam que uma estratégia consistente para potencializar os efeitos progressivos de aumentos do salário mínimo sobre a desigualdade, coordenando os 3 canais de transmissão destes efeitos – mercado de trabalho, benefícios previdenciários e benefícios assistenciais –  é a combinação dos aumentos reais do salário mínimo com a consistente expansão de postos de melhor qualidade. 

Mas não apenas sobre a desigualdade de renda incide a política de valorização do salário mínimo: a Nota Especial 3 do Dieese (2023) apresenta a população impactada pelo salário mínimo no Brasil, revelando um impacto maior sobre grupos mais vulneráveis. Em relação à faixa etária, o destaque está na população de 70 anos ou mais, que tem 55,3% das pessoas afetadas. As mulheres também são mais afetadas em relação aos homens, como mostra a tabela 2, e as pessoas negras em relação às brancas, de forma ainda mais significativa (tabela 3). A partir desses dados, percebe-se que a valorização do salário mínimo possui potencial de atuar para além da desigualdade de renda, impactando desigualdades de faixa etária, de raça/cor e de gênero. 

Tabela 2 – Número (em 1000 pessoas) e percentual de pessoas impactadas pelo salário mínimo, por sexo (Brasil, 2021)Fonte: Carrança (2023); dados do IBGE e do Dieese.

Fonte: Dieese (2023).

Tabela 3 – Número (em 1000 pessoas) e percentual de pessoas impactadas pelo salário mínimo, por cor da pele (Brasil, 2021)

Fonte: Dieese (2023)

Ademais, o Dieese (2015) apresenta dez funções fundamentais do salário mínimo, que envolvem: proteger o salário de setores com baixo poder de negociação; evitar o rebaixamento dos salários de grupos discriminados no mercado, como mulheres e negros; estabelecer um piso para o ingresso no mercado de trabalho, com foco nos jovens; organizar a escala de remunerações no mercado; reduzir a rotatividade de trabalhadores com salários mais baixos; dinamizar a economia e o mercado consumidor interno; e instituir o piso dos benefícios da seguridade social. Nessa lista, destacam-se também os efeitos farol, arrasto e numerário do salário mínimo, sendo o primeiro a orientação da remuneração de trabalhadores com menor qualificação, incluindo o setor informal, enquanto o arrasto corresponde ao reajuste de salários superiores ao antigo e inferiores ao novo mínimo, e o numerário responsável pela vinculação de salários superiores ao mínimo.

Observa-se, portanto, que o salário mínimo é um elemento fundamental para a redução de desigualdades, a proteção dos trabalhadores e dos grupos vulneráveis no Brasil. A valorização anunciada no Dia do Trabalhador é uma conquista, após a série de retrocessos dos últimos anos, que deve ser fortalecida e continuada para a reconstrução dos direitos dos trabalhadores brasileiros.

Autora: Anna Clara Mattos, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Referências
CARRANÇA, Thais. Salário mínimo de R$ 1.320: quanto piso aumentou em cada governo? São Paulo, BBC News Brasil, 01 maio 2023. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gn96zyy6qo>.

SANCHES, Marina et al. NPE 29: Crescimento com maior poder de compra: os efeitos macroeconômicos da valorização do salário mínimo. MADE/USP, 2023. Disponível em <https://madeusp.com.br/publicacoes/artigos/crescimento-com-maior-poder-de-compra-os-efeitos-macroeconomicos-da-valorizacao-do-salario-minimo/>.

GOMES, Riquelme et al. NPE 30: Impactos distributivos do salário mínimo: uma estimativa para o período 2014-2021. Disponível em: <https://madeusp.com.br/wp-content/uploads/2023/01/npe_30_vf.pdf>.

DIEESE. Salário Mínimo: Instrumento de valorização do trabalho, combate à pobreza e à desigualdade. Dieese, 2015. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2023/notaEspecialSM042023.pdf>.

DIEESE. A população impactada pelo salário mínimo no Brasil. Dieese, 2023. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2023/notaEspecialSM_3.pdf>.

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