A crise econômica, que assola o país desde 2015, ganha contornos cada vez mais dramáticos à medida que o tempo passa. O aumento do desemprego e a precarização do trabalho são frutos de uma dimensão visível para uma parte da juventude já discriminada em outras dimensões e que prendem milhões no ciclo desolador e desumano da pobreza. Diante deste cenário, os últimos dados disponibilizados pelo IBGE revelaram a face desta crise e que torna ainda mais preocupante o futuro do país: a juventude pobre, negra e com baixa escolaridade está arcando com os piores custos, desemprego e perda brutal de renda, de uma crise econômica que parece que nunca irá acabar. É importante lembrar que o impacto econômico desproporcional entre jovens resultam das persistentes iniquidades nas condições de vida, educação, moradia, saúde e trabalho que são chagas incuráveis e históricas da desigual formação social brasileira.

Os dados da PNAD Contínua revelam que a taxa de desemprego brasileira persiste em patamares elevados, quase 13 milhões de desempregados no 1º trimestre de 2019, 12,7% da força de trabalho total no país se encontrava desempregada. No mesmo período, a taxa de desocupação entre os jovens atingia quase o dobro, 23,9% dos jovens de 15 a 29 anos estavam desempregados. Destarte, a proporção dos jovens “nem-nem” cresceu de 20,83% para 24,12% dos jovens brasileiros que não trabalhavam, nem estudavam, entre 2014 e 2019. Historicamente, as estatísticas relativas ao grupo de jovens “nem-nem” tem revelado que estes jovens fazem parte de um contexto propicio a perpetuação do ciclo de pobreza, ou seja, a reprodução do contexto de pobreza vivenciado pelos pais: a maioria são mulheres (30,25%), pardas (27,69%) e possuem uma maior dificuldade de estar só estudando, devido ao contexto familiar de pobreza e de responsabilização das tarefas domésticas, e dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal por não ter perspectivas de uma boa escolaridade (66,79% não possuem instrução), muito menos de um bom emprego.

Como já vimos aqui no Observatório das Desigualdades (“Os diferentes efeitos da crise econômica de 2015/2016 para ricos e pobres” – http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=650), não é novidade para nós que a desigualdade socioeconômica aumentou muito nos últimos anos e os seus graves efeitos são distribuídos de maneira iníqua. Os estudos sobre mercado de trabalho apontam que os jovens (15 a 29), de 2014 a 2019, perderam 14,7 % da sua renda real individual do trabalho enquanto o conjunto da população perdeu menos, apenas 3,7% da renda. Da mesma forma, os dados deixam claro que alguns grupos perderam mais do que outros dentre os jovens: para o período 2012-2017, a desigualdade de renda aumentou significativamente entre os jovens (3,8%). O Índice de Gini, principal instrumento para medir o grau de concentração de renda num determinado grupo, teve um salto de 3,8%, de 2012 a 2017, para os jovens (15 a 29 anos). Ao passo que o Índice de Gini para o conjunto da população aumentou 2,7%.

O impacto da crise sobre a renda pode ser analisado detalhadamente utilizando-se os dados do gráfico abaixo. Com base nestes dados foram constatados que o impacto da crise atinge muito mais os grupos considerados mais vulneráveis no mercado de trabalho, reforçando o grave problema social da desigualdade em nossa sociedade. Primeiramente, o gráfico mostra que quanto menor o nível de instrução do jovem (15 a 29), maior serão as chances de que o impacto da crise reduza significativamente a sua renda. Jovens sem instrução, ou seja, menos de um ano de estudo, perderam mais da metade de sua renda (-51,09%) com a crise e foi o grupo mais atingido entre todos os jovens no período de 2014 a 2019. A baixa escolaridade é um dos principais determinantes para a perpetuação do ciclo da pobreza, pois quanto menos escolaridade, maiores são as dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal e maiores as chances de trabalhar em condições altamente precarizadas que são as primeiras a serem impactadas com a recessão econômica.

Em segundo lugar, observa-se que o impacto negativo da crise econômica não se distribui de forma homogênea entre as regiões do Brasil. As maiores perdas de renda individual do trabalho juvenil encontram-se na região Nordeste (-23,58%), seguida da região Norte (-22,01%), regiões que apresentam um menor desenvolvimento socioeconômico e maior condição da pobreza e abandono escolar entre seus residentes em relação às outras regiões do Brasil. Da mesma forma, o gráfico acima aponta para um impacto desproporcional nos jovens negros (pretos e pardos). Se somarmos o decréscimo de renda dos pretos (-12,14) e dos pardos (-16,40), percebemos que os jovens negros tiveram uma perda expressiva na sua renda, cerca de -28%, que pode estar diretamente correlacionado com a histórica discriminação racial no mercado de trabalho e/ou baixo nível de empregabilidade por possuírem uma menor qualificação que os demais grupos.

As pesquisas do “Atlas da Juventude” (FGV) revelaram que a notável desigualdade renda aumentou muito na população jovem (15 a 29), mas os seus graves efeitos socioeconômicos, deterioração da renda real do trabalho, tem sido maiores nos mais pobres (-24,24%) contra a média geral (-14,66%). Verifica-se no gráfico abaixo que o aumento da desigualdade de renda entre os jovens, na atual crise econômica, é resultado de três fatores: o aumento do desemprego numa crise econômica excludente e perversa aos mais pobres, queda no valor da educação (perda da renda média por hora/ano de estudo ou retorno da educação); e a redução da jornada de trabalho pela grande proporção de jovens que passaram a ocupar vagas de emprego mais precarizadas com jornada parcial (50,7%) em detrimento da integral (49,3%).

O cenário atual de recessão econômica, alto desemprego, sem perspectivas de uma boa escolaridade, muito menos de um bom emprego, perpetua o ambiente ideal para o ciclo da pobreza que prende milhões de brasileiros num ambiente desolador e desumano. Por isso, será importante ressaltar que nós, do Observatório das Desigualdades, insistimos em um ponto básico: o Brasil somente terá condições para um desenvolvimento sustentável, quando as politicas públicas (educação, saúde, trabalho…) considerarem as desigualdades socioeconômicas que sempre existiram na história do Brasil.

 

Referências:

  • NERI, M. “Juventude e o Trabalho: Qual foi o Impacto da Crise na Rendados Jovens ? E nos Nem-Nem”. Novembro de 2019. Atlas das Juventudes. FGV SOCIAL. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Slides-Juventude-e-Trabalho-1pp.pdf> Acesso em: 11 de agosto de 2018.
  • CORSEUIL, C. H. L, POLOPONSKY, K. E FRANCA, M. P. “Diagnóstico da Inserção dos Jovens Brasileiros no Mercado de Trabalho em um Contexto de Crise e MaiorFlexibilização”. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 7 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200707_ri_diagnostico_de_insercao_de_jovens.pdf> Acesso em: 11 de agosto de 2020.

 

Autor: Fackson Henrique Eugênio Rocha [graduando em Administração Pública na Fundação João Pinheiro], sob a orientação de Bruno Lazzarotti [pesquisador na Fundação João Pinheiro]

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