Celebrado em 17 de maio, o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia foi criado em 2004 com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a violência, a discriminação e as exclusões sofridas pela população LGBTQIA+. A despeito de o nome da campanha remeter apenas à algumas das siglas da comunidade, esse dia é considerado uma iniciativa para promover a garantia de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexuais e toda a diversidade de orientações sexuais e identidades ou expressões de gênero¹.

A escolha da data é simbólica, pois faz referência ao dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como uma patologia, no ano de 1990. Essa foi uma conquista importante dos ativistas do movimento e representou um pequeno passo na longa trajetória de luta, que se estende até hoje, pela possibilidade do exercício pleno da cidadania para a comunidade LGBTQIA+. A este ponto, é interessante ressaltar que mesmo a dificuldade para alcançar tal objetivo é desigual dentre os diferentes grupos: a transexualidade, por exemplo, só deixou de ser classificada como um transtorno mental pela OMS recentemente, em 2018. 

Embora seja uma campanha global, o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia tem uma abordagem descentralizada para conformar a diversidade de contextos sociais, religiosos, culturais e políticos dos países, que possuem trajetórias distintas quanto à aceitação e a garantia de direitos da população LGBTQIA+. No contexto brasileiro, por exemplo, houve um inegável avanço institucional depois da Constituição Federal de 1988, mais especificamente nas duas primeiras décadas do século XXI, quando os ativistas LGBTQIA+ passaram a atuar fortemente junto ao Executivo Nacional na construção de políticas de direitos humanos e ampliaram suas articulações com governos estaduais, municipais, com parlamentares de todas as esferas do Poder Legislativo e com o Judiciário (PEREIRA, 2016). Ainda, segundo Carrara (2016), a Constituição Federal não versa sobre “orientação sexual” ou “identidade de gênero”, mas garante direitos fundamentais inalienáveis como: saúde, moradia, educação adequada, trabalho, entre outros requisitos básicos para viver dignamente, que, aliados ao compromisso constitucional com os direitos humanos, vão balizar o processo político de redefinições no que tange aos direitos sociais das pessoas LGBTQIA+ nas décadas seguintes. 

Avançando na linha do tempo do pós-1988, a partir de 2002 uma série de políticas, planos e programas foram implementados com o objetivo de fortalecer as identidades LGBTQIA+ e combater a violência a essa população – inclusive, foi em 2010 que o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia foi instituído no Brasil (PEREIRA, 2016). No ano seguinte, 2011, o ativismo LGBTQIA+ obteve a conquista relativa à união de pessoas do mesmo sexo, por decisão favorável do STF. Já em 2013, o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo passou a ser garantido no Brasil por meio da resolução n° 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (BRASIL, 2011; CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013). Além disso, em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo, entendendo que houve uma omissão do Congresso Nacional para editar lei que criminalize esses atos ².

O grande desafio das políticas supracitadas é se materializar de fato no cotidiano do seu público alvo. O próprio Observatório das Desigualdades já publicou um boletim sobre a pauta LGBTQIA+, texto em que, dentre outras discussões, são mencionados os percalços ao acessar dados do Brasil e do mundo acerca da aceitação social e legislação a respeito dos gêneros e sexualidades que compõem o movimento. Isso porque, de acordo com o boletim, a maior parte dos surveys não trata da pauta e aqueles que tratam geralmente se atêm aos direitos apenas das populações homossexuais (lésbicas e gays). Logo, entender em que medida há maior ou menor aceitação das pessoas LGBTQIA+ e onde se situam as maiores propensões ao preconceito e à discriminação ainda é uma tarefa árdua (DINIZ; COSTA, 2022) ³

O Gráfico 1 reúne as informações divulgadas pela ONG Grupo Gay da Bahia sobre as mortes da população LGBTQIA+. De acordo com os dados, houve uma tendência de aumento no número de mortes entre 2000 e 2018 e, neste último ano, a cada 20 horas morreu um LGBTQIA+ no Brasil. 

 

Gráfico 1 – Pessoas LGBT mortas no Brasil por ano

Fonte: População LGBT morta no Brasil: Relatório GGB 2018. Disponível em: https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf. Acesso em: 15 de maio de 2022

 

O Gráfico 2, por sua vez, foi elaborado a partir das informações disponibilizadas pela Fundação Getúlio Vargas sobre os tipos de violações de direitos da população LGBTQIA+ que foram denunciados no Disque 100, em 2018. A maior parte das denúncias refere-se à discriminação, seguida pela violência psicológica (ameaça, humilhação, bullyng, etc) e violência física (homicídio, lesão corporal, dentre outros. 

 

Gráfico 2 – Tipos de violação de direitos em 2018

Fonte: Disque 100 apud Diretoria de Análise de Políticas Publicas da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: http://dapp.fgv.br/dados-publicos-sobre-violencia-homofobica-no-brasil-28-anos-de-combate-ao-preconceito/. Acesso em: 15 de maio de 2022

 

Ao lançar um olhar para o passado é impossível não reconhecer as grandes conquistas na legislação de proteção à comunidade LGBTQIA+, mas o futuro ainda reserva o desafio de lutar pela conquista de novos direitos e pelo cumprimento dos já conquistados. Recentemente, tem-se vislumbrado certo retrocesso no campo da discussão sobre a pauta dos direitos LGBTQIA+, vide as temáticas levantadas por alguns políticos mais fundamentalistas – a exemplo dos assuntos de “kit gay”, “cura gay” ou ideologia de gênero – que, apesar de falaciosas, atuam no sentido de interditar o debate acerca das questões que realmente importam. O dia 17 de maio é, portanto, um convite para retomar a luta histórica dos ativistas LGBTQIA+ no Brasil e refletir sobre qual é o nosso papel enquanto sociedade para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária em que se faça cumprir o pacto constitucional civilizatório de 1988.

 

Autor: Breno Fernandes, sob a orientação de Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamentalnº 132-RJ. Requerente: Governador do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Brasília, 2011. Disponível em:  https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633.  Acesso em: 15 de maio de 2022

CARRARA, Sérgio. Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas-Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 05, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2316. Acesso em: 15 de maio de 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013.  Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo. Diário Oficial, Brasília, 2013. Disponível em: https://priscilaaguiar.jusbrasil.com.br/noticias/111681092/resolucao-n-175-de-14-de-maio-de-2013. Acesso em: 15 de maio de 2022;

PEREIRA, Cleyton Feitosa. Notas sobre a trajetória das políticas públicas de direitos humanos LGBT no Brasil. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, 2016, 4.1: 115-137. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/307. Acesso em: 15 de maio de 2022.

SILVA, Sandro Gorski. Da invisibilidade à pavimentação dos direitos humanos LGBTQIA+: um diálogo entre as conquistas históricas e a consolidação de direitos: De l’invisibilité au trottoir des droits de l’homme LGBTQIA+: un dialogue entre acquis historiques et consolidation des droits. Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas (Brazilian Journal of Law Research), 2020, 1.2: 27-44. Disponível em: https://ojs.eduvaleavare.com.br/index.php/rbpj/article/view/8. Acesso em: 15 de maio de 2022.

 

[1] <https://may17.org/about/>

[2]<https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml>

[3] Para visualizar o boletim, acesse <http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2022/04/Boletim-15-Quem-tem-medo-da-diversidade_.docx-1.pdf>

 

IMAGEM DA CAPA: retirada de notícia do site do G1, como segue a referência abaixo

DIA internacional contra a homofobia: Juliette e mais famosos pedem respeito e igualdade. Gshow, 2022. Disponível em: <https://gshow.globo.com/tudo-mais/tv-e-famosos/noticia/dia-internacional-contra-a-homofobia-famosos-pedem-respeito-e-igualdade.ghtml>. Acesso em: 17 de mai. 2022. 

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