No dia 02 de outubro de 2022, os brasileiros votaram para decidir muito mais que o próximo presidente do país, mas também para eleger as pessoas que os representarão no poder legislativo. A noção de representação política é complexa e envolve tanto dimensões substantivas (que representantes defendem as minhas principais reivindicações e valores?), quanto outras menos tangíveis, como o reconhecimento da diversidade, vocalização de demandas e pontos de vista, entre outros. Raramente encontraremos no mesmo representante a correspondência completa com as pautas de seus eleitores. O que se espera é que, em seu conjunto, partidos, poder Legislativo e Executivo produzam decisões mais próximas (mas nunca idênticas) daquilo que os cidadãos prefeririam. A democracia e a representação ocorrem sempre no plural, quase nunca em torno de indivíduos. 

No entanto, em uma democracia inclusiva, as posições de poder devem estar efetivamente abertas a todos os grupos e segmentos relevantes da população. Não é o que acontece ainda no Brasil, onde o Poder Legislativo (mas não só ele) é ainda muito excludente, com baixo percentual de mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBTQIA+, expressão visto das violências e desigualdades enraizadas na sociedade brasileira. Há o que podemos chamar de sub-representação descritiva, onde as características dos representantes políticos eleitos são muito díspares às características da população (FIRPO et al, 2022). 

A questão aqui tratada é em que medida segmentos majoritários da população se traduzem em maioria nos espaços de representação política. Um estudo da organização internacional União Parlamentar em 2020 mostrou que dentre 192 países, o Brasil aparece na 142° colocação do ranking de participação de mulheres na política nacional (JANONE; VIEIRA, 2021). As eleições e as campanhas eleitorais – apesar das desigualdades no acesso aos recursos de campanha e de outras limitações à participação de grupos marginalizados – representam uma oportunidade para mudar esse cenário, elegendo representantes em proporções mais semelhantes à população brasileira. 

Essas desigualdades já se desenham nas candidaturas, que refletem a dificuldade de acesso de determinados grupos, como mulheres, negros e indígenas, à disputa. Considerando todas as candidaturas que participaram das eleições para a Câmara dos Deputados em 2022, 48,9% se declararam brancos e 49,5% negros. Apesar desses resultados ainda não representarem o total da população, como mostra o gráfico 01, mostra desproporção menor. Em relação ao gênero, apenas 33,27% dos candidatos são mulheres, enquanto elas compõem 51% da população (gráfico 02). Os maiores percentuais de mulheres e negros entre os candidatos em relação àqueles que foram de fato eleitos podem apontar dificuldades no acesso a recursos para a campanha, preconceitos do eleitorado, espaço dentro de partidos e coalizões, trajetória política mais recente e outros fatores que prejudicam esses grupos na disputa política. 

Gráfico 01 – Proporção de candidaturas por raça nas eleições de 2022

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

 

Gráfico 02 – Proporção de candidaturas por gênero nas eleições de 2022

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Mas se conseguir se candidatar já é um obstáculo a certos grupos, o sucesso na eleição é ainda mais restrito. Então, analisando as eleições de 02 de outubro, o quanto evoluímos para casas legislativas mais representativas? Apesar da permanência de uma grande maioria de homens brancos, o novo cenário apresenta avanços em relação ao anterior, como a maior presença de mulheres e negros na câmara dos deputados, além da representatividade indígena e trans. 

Desigualdades de Gênero

As mulheres atingiram um número recorde na Câmara dos Deputados, com 91 representantes (17,7%), enquanto até 2022 elas ocupam apenas 77 cadeiras (15%), de acordo com os dados apresentados no gráfico 03. Esse número ainda é muito baixo, visto que, segundo o IBGE, em 2019 a população brasileira era composta por 51,8% de mulheres. Em uma série histórica, há pelo menos 40 anos o Brasil registra através dos seus dados censitários uma proporção de mulheres maior que de homens na população. Analisando o eleitorado — população apta ao exercício do voto, a porcentagem de mulheres é ainda maior, chegando a 52,49%.

Gráfico 03 – Composição da Câmara dos Deputados por gênero

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Já no Senado, não foi observada a mesma evolução, mas, pelo contrário, o número de mulheres se reduziu em 2022. Enquanto em 2018 foram eleitas 7 mulheres para as 54 vagas, totalizando 13 mulheres (16%) senadoras, em 2022 apenas 4 mulheres foram eleitas para as 27 vagas, totalizando 10 mulheres (12,3%) em exercício do mandato, como mostra o gráfico 04. Não se deve esquecer que a presença de mulheres nesses espaços não garante a defesa dos direitos desse grupo. Há senadoras eleitas que se apresentam como mulheres conservadoras, que se opõem aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero. Com a redução do número de mulheres no Senado e a presença de conservadores, que se opõem abertamente aos direitos das mulheres, há um cenário desfavorável para a população feminina, deixando o Brasil em uma posição de atraso e retrocesso em relação à pauta. 

Gráfico 04 – Composição do Senado por gênero

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Focando o âmbito do Poder Legislativo estadual, em Minas Gerais houve um crescimento no percentual de mulheres eleitas para a Assembleia Legislativa: enquanto em 2018 foram eleitas apenas 10 deputadas (12,9%), em 2022 15 mulheres chegaram ao cargo (19,5%). Apesar da conquista, esse percentual continua muito baixo em relação à população feminina em Minas Gerais, que representa 50,9% dos mineiros, como ilustrado no gráfico abaixo.

Gráfico 05 – Composição da Assembleia Legislativa de Minas Gerais por gênero

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Ainda no que se refere às desigualdades de gênero, um grande avanço para as pautas LGBTQIA+ foi a eleição das duas primeiras deputadas federais trans: Duda Salabert (PDT), professora e vereadora mais bem votada de Belo Horizonte em 2020, e Erika Hilton (PSOL), que também foi eleita Vereadora em São Paulo no mesmo ano. Tais conquistas eleitorais são um passo importante, mas a resistência a estes avanços não pode ser subestimada, como demonstram a perseguição transfóbica e as ameaças dirigidas às deputadas eleitas. Além das ameaças de morte recebidas por Duda Salabert desde o início de seu mandato como vereadora, a professora foi alvo de falas transfóbicas do também deputado eleito por Minas Gerais Nikolas Ferreira (PL). 

Desigualdades Étnico-Raciais

A eleição de deputados federais negros também atingiram um número recorde em 2022, com 135 representantes (26,3%), enquanto nas eleições de 2018 foram eleitos 123 representantes (24%), de acordo com os dados apresentados no gráfico 06. Esse número ainda é muito baixo, visto que, segundo o IBGE, em 2019 a população brasileira era composta por 56,2% de negros. Além disso, esse aumento é discrepante em relação ao aumento de candidaturas de pretos e pardos para a Câmara dos Deputados, que teve um aumento de 36,3% em 2022 frente a 2018, enquanto o número de candidatos efetivamente eleitos com essas características autodeclaradas cresceu apenas 8,9%.

Gráfico 06 – Composição da Câmara dos Deputados por raça/cor

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Vale destacar, no entanto, que apesar do aumento número de deputados negros eleitos – um aumento visto tanto em pessoas pretas, quanto em pessoas pardas (gráfico 07) – é possível identificar uma a inconsistência da autodeclaração racial de alguns candidatos, segundo estudo de Campos e Machado (2022). Apesar de ser difícil estabelecer métodos para averiguação da autodeclaração racial, hoje é usado, principalmente nas universidades, as bancas de heteroidentificação. Nessa análise, dos 134 deputados autodeclarados negros eleitos, 60 não passaram pelo teste.

Uma razão que pode ser apontada para essa discrepância é a Emenda Constitucional 111/2021, que visa incentivar a candidaturas de negros e mulheres. Ela trouxe como uma de suas medidas que os votos dados a candidatas mulheres e a pessoas negras serão contados em dobro para a distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. Isto não deve servir de pretexto para deslegitimar os mecanismos institucionais de redução das desigualdades políticas, mas mostra que os eleitores, os partidos e as autoridades precisam estar atentas ao uso oportunista destas oportunidades.

No entanto, há ainda mais destaques positivos. Na Câmara dos Deputados, conforme mostra o gráfico 07, foram eleitos cinco representantes indígenas: Sônia Guajajara (PSOL – SP), Célia Xakriabá (PSOL – MG), Juliana Cardoso (PT – SP), Paulo Guedes (PT – SP) e Silvia Waiãpi (PL – AP). Contudo, tal como ocorre com a representação das mulheres descrita anteriormente, a presença de indígenas no poder não garante a defesa de seus direitos. A deputada eleita Silvia Waiãpi defende uma posição oposta aos direitos dos povos indígenas, apoiando a política de Jair Bolsonaro, marcada pela ausência de demarcações de terras indígenas e pelo esvaziamento da FUNAI, além de outros ataques a esses grupos.

Gráfico 07 – Deputados Federais eleitos por raça/cor

Fonte: TSE. Elaboração própria.

Quando analisamos o Senado, não foi observada a mesma evolução, mas, ao contrário, a porcentagem de senadores negros eleitos diminuiu. Em 2018 foram 14 eleitos para as 54 vagas (25,9%), enquanto em 2022 foram 6 eleitos para as 27 vagas (22,2%), como mostra o gráfico 08. Há de se registrar, no entanto, que a totalidade dos senadores negros que comporão o Senado a partir do próximo ano, 20 senadores (24,7%), é uma representatividade maior do que a última legislatura.

Gráfico 08 – Composição do Senado por raça/cor

Fonte: TSE e IBGE. Elaboração própria.

Dessa forma, percebe-se avanços ainda tímidos na composição da Câmara dos Deputados e da ALMG, apesar de sequer chegarem perto de representar a composição da população. No Senado, o cenário é de retrocesso, com a diminuição do percentual de mulheres e de pessoas negras. 

De modo geral, o Brasil apresenta uma desigualdade política marcante, que reflete as desigualdades sociais enraizadas no país. Seu enfrentamento envolve a combinação de medidas institucionais, como as de financiamento e as cotas eleitorais, mas não se dará sem a organização política e dos movimentos sociais e sem a consciência de que instituições políticas mais representativas, ao serem capazes de processar pacificamente as demandas e conflitos entre os mais diversos setores, contribuem para que toda a sociedade se torne mais coesa e pacífica.

 

(1) As fotos de todas as candidaturas a deputado federal foram submetidas a três diferentes codificadores com diferentes origens sociais. Caso os três discordassem da autoclassificação registrada pelo candidato no TSE, ele era computado como um caso de inconsistência. Trata-se de uma metodologia bastante tolerante em relação à fluidez racial brasileira, pois basta que um classificador considere o candidato(a) como não branco para que ele(a) seja assim considerado.

 

Autores: Alexandre Henrique e Anna Clara Mattos, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Referências

Agência Senado. Apesar de maior presença de mulheres na disputa ao Senado, bancada feminina diminui. Agência Senado. 03 out. 2022. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/10/03/apesar-de-maior-presenca-na-disputa-ao-senado-bancada-feminina-reduz-tamanho>. Acesso em: 04 out. 2022.

ALMG Notícias. Eleições 2022: confira a nova composição da ALMG. ALMG Notícias. 02 out. 2022. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2022/10/02_nova_composicao_almg_20_legislatura>. Acesso em 03 out. 2022.

CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A nova Câmara é ainda mais branca do que parece. Nexo Jornal. 04 out. 2022. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/10/04/A-nova-C%C3%A2mara-%C3%A9-ainda-mais-branca-do-que-parece?posicao-home-esquerda=3>. Acesso em: 05 out. 2022.

EXTRA. Saiba quem são as candidatas trans eleitas pelo Brasil em 2022. Extra. 03 out. 2022. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/politica/saiba-quem-sao-as-candidatas-trans-eleitas-pelo-brasil-em-2022-25582661.html>. Acesso em: 04 out. 2022.

FIRPO, Sérgio et al. Estão nascendo novos líderes, mas falta espaço para negros na políticas. 30 mai. 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/05/estao-nascendo-novos-lideres-mas-falta-espaco-para-negros-na-politica.shtml>. Acesso em: 03 out. 2022

JANONE, Lucas; VIEIRA, Helena. Brasil é 142° na lista internacional que aponta participação de mulheres na política. CNN Brasil. 23 nov. 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-e-142-na-lista-internacional-que-aponta-participacao-de-mulheres-na-politica/>. Acesso em: 03 out. 2022.

MALI, Tiago; NOGUEIRA, Carolina. Mulheres passam de 15% para 18% dos assentos na Câmara. Poder 360. 03 out. 2022. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/eleicoes/mulheres-passam-de-15-para-18-dos-assentos-na-camara/>. Acesso em: 05 out. 2022.

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SOUZA, Murilo. Número de deputados pretos e pardos aumenta 8,94%, mas é menor que o esperado. Agência Câmara de Notícias. 03 out. 2022. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/911743-numero-de-deputados-negros-e-pardos-aumenta-894-mas-e-menor-que-o-esperado/>. Acesso em: 07 out. 2022.

QUEIROZ, Vitória. 22% dos senadores eleitos são negros. Poder 360. 03 out. 2022. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/eleicoes/22-dos-senadores-eleitos-sao-negros/>. Acesso em: 05 out. 2022.

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