A pandemia da Covid-19 evidenciou mais uma vez o modo como as desigualdades sociais e a pobreza se expressam nas condições de saúde, tornando a população pobre e marginalizada mais vulnerável também deste ponto de vista. A insegurança alimentar, a insuficiência de renda e a falta de acesso a recursos de higiene básicos e a serviços de saúde, para além de fatores biológicos e individuais, são determinantes para o bem-estar em saúde. A Síntese dos Indicadores Sociais, divulgada este mês pelo IBGE, consolida informações sobre a evolução dos indicadores de saúde, evidenciando que as desigualdades no acesso à saúde foram acentuadas pela pandemia.
Para contextualizar o cenário brasileiro, é necessário retomar o comportamento dos indicadores gerais de pobreza e desigualdade de renda no Brasil, que se relacionam diretamente às condições de saúde da população. O Índice de Gini aumentou 3,9% entre 2020 e 2021, atingindo 0,524. Na mesma linha, o percentual de pessoas em extrema pobreza também aumentou de 5,7%, em 2020, para 8,4% da população, em 2021. Em relação ao mercado de trabalho, a taxa de desocupação passou de 11,8% em 2019 para 13,8% em 2020 e 14,0% em 2021, além do crescimento da taxa de informalidade e da precarização do trabalho [1]. A inflação crescente no período ainda afetou de forma mais intensa a parcela da população com rendimentos mais baixos, com impacto mais relevante sobre os itens de alimentação.
A segurança alimentar [2] é uma dimensão fundamental para a saúde que apresentou piora a partir da pandemia, afetada pelos fatores descritos (renda, trabalho e preços dos alimentos). Em 2020, 55,2% da população enfrentava algum nível de insegurança alimentar, percentual que subiu para 58,7% em 2021, de acordo com os dados representados no gráfico 1. Além disso, as proporções de insegurança alimentar moderada e grave subiram de 11,5% para 15,2% e de 9,0% para 15,5%, respectivamente.

Gráfico 1 – Prevalência domiciliar de segurança alimentar e de insegurança alimentar (Brasil – 2020/2021)

Fonte: IBGE (2022)

A partir do indicador de desnutrição para crianças de 0 a 4 anos, percebe-se que esse problema é mais frequente entre crianças pardas e pretas em relação às brancas. Em 2021, a taxa de desnutrição entre meninos pardos nessa faixa de idade era de 8,5%, enquanto para os brancos era de 5,4% (IBGE, 2022).
A taxa de mortalidade é um indicador tradicionalmente utilizado para mensurar as condições de saúde da população, utilizado no estudo do IBGE a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Entre 2010 e 2019, a taxa de mortalidade no Brasil apresentou um crescimento médio anual de 1,1%. Com a pandemia da Covid-19, esse crescimento passou para 15,3% entre 2019 e 2020 e chegou a 16,8% entre 2020 e 2021.
Analisando cada região em particular (tabela 1), em 2020 há uma aceleração da variação do percentual de óbitos, com destaque para a região Norte, o que reflete a dificuldade inicial de implementação de medidas de enfrentamento à doença. Já em 2021, o crescimento acelera ainda mais nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste e desacelera nas regiões Norte e Nordeste. Nesse sentido, o relatório do IBGE destaca as características clínicas e epidemiológicas da Covid-19, além do contexto social, econômico e político para o enfrentamento à pandemia, marcado pela precária articulação nacional com os governos regionais, as desigualdades de acesso a recursos e o impacto positivo da vacinação.

Tabela 1 – Variação anual percentual de óbitos, por período, segundo as Grandes Regiões – Brasil – 2018-2021

Fonte: IBGE (2022)

Um fator que influenciou a adoção de medidas de enfrentamento à pandemia foi o tamanho da população dos municípios. A seleção pública de profissionais de saúde em caráter de urgência, por exemplo, ocorreu em 84,2% dos municípios com mais de 500.000 habitantes, enquanto não alcançou 60% em nenhuma das outras faixas de população (tabela 2). Isso pode estar relacionado ao papel de atenção primária dos pequenos municípios, enquanto a preocupação com internações e UTIs se concentra em municípios maiores. A ampliação do número de leitos, as sanções de desrespeito às normas de isolamento e a continuidade dos atendimentos a doentes crônicos também foram mais frequentes em municípios maiores.

Tabela 2 – Municípios e proporção da população residente em Municípios com medidas ou ações relacionadas à pandemia de COVID-19 e onde o número de internações ultrapassou a capacidade, segundo as classes de tamanho da população dos Municípios – Brasil – 2020

Fonte: IBGE (2022)

Os problemas agravados a partir do período da pandemia, como a insegurança alimentar e a mortalidade, exigem intervenções por meio de políticas públicas de saúde efetivas, que observem as desigualdades que marcam o Brasil. Nesse sentido, há um longo caminho para a retomada da qualidade de vida da população e dos avanços no Sistema Único de Saúde.

 

Elaboração: Anna Clara Mattos, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

Notas
[1] Síntese dos Indicadores Sociais: o mercado de trabalho brasileiro http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=2711
[2] Para saber mais sobre o tema, acesse o Boletim n° 14: “Máquina do tempo: o Brasil de volta ao Mapa da Fome” http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?page_id=162

Referências
IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2022. Disponível em:<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101979.pdf>

Brasil perdeu 23.091 leitos hospitalares em dez anos. Confederação Nacional de Municípios, 2018. Disponível em: <https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/3622>. Acesso em: 20 dez. 2022.

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