A noção de pobreza remete sempre a uma situação de privação; estar em situação de pobreza significa viver sem as condições básicas para uma vida considerada digna (ou estar privado disso). Quando analisamos os rendimentos da população brasileira, destacam-se a gravidade da pobreza e os altos níveis de desigualdade, que ainda marcam o Brasil. É o que mostra a última edição da SIS (Síntese de Indicadores Sociais), divulgada pelo IBGE em dezembro de 2022, com dados até 2021.

A tabela 1 mostra que as pessoas que tinham os 10% menores rendimentos ganhavam, em média, R$93,63 mensais, em 2021. Do outro lado, os 10% com maiores rendimentos ganhavam, em média, R$5772,38 ao mês, no mesmo ano. No primeiro grupo, existe uma pessoa que tem  R$3,12 para sobreviver diariamente e no segundo, uma pessoa que tem R$192,41 por dia. Esses dados expõem não só a grande desigualdade presente nos rendimentos brasileiros, mas também os níveis de extrema pobreza em que os mais pobres vivem.

Tabela 1: Rendimento domiciliar per capita médio mensal, com indicação de variação entre períodos, segundo classes de rendimento domiciliar por décimos da população Brasil – 2012 a 2021

Fonte: IBGE, 2022

Há de se destacar, ainda na tabela 1, o aprofundamento da pobreza, representado pela queda de rendimento em todos os níveis. A pandemia e a ampliação do desemprego são partes a se considerar, mas também o papel do governo de desarticulação de políticas sociais importantes no enfrentamento à pandemia, como o Auxílio Emergencial.
A desigualdade de rendimentos ainda se apresenta sob duas condicionantes, gênero e raça. Ainda hoje, como é possível ver no gráfico 1, as mulheres recebem um salário menor que os homens, que na média nacional recebem 6% mais, em 2021. O gráfico 2 escancara como a raça é um condicionante de pobreza, mostrando que ao longo da série histórica os rendimentos de pessoas brancas sempre foram maiores que pessoas pretas e pardas, sendo em 2021 uma diferença de 97% na média nacional.

Gráfico 1: Evolução do rendimento médio domiciliar per capita, por sexo Brasil – 2012 a 2021

Fonte: IBGE, 2022

Gráfico 2: Evolução do rendimento médio domiciliar per capita, por cor ou raça Brasil – 2012 a 2021

Fonte: IBGE, 2022

A incidência da pobreza também expressa as desigualdades regionais. As regiões Norte e Nordeste chegaram a apresentar rendimentos até 90% menores que a região Sul, a mais rica do país. Quando analisamos em valores, é possível observar que tanto a média, quanto a mediana dos rendimentos dessas regiões mais vulneráveis estão abaixo do salário mínimo, que seria, segundo a CLT, o valor mínimo para suprir as necessidades de alimentação, habitação, vestuário, transporte e higiene, mas que na prática não satisfazem a todas essas necessidades.

Tabela 2: Rendimento domiciliar per capita médio e mediano das pessoas, segundo as Grandes Regiões – 2012 a 2021

Fonte: IBGE, 2022

O indicador mais utilizado para medir a desigualdade de rendimentos é o Coeficiente de Gini. Em uma escala de 0 a 1, 0 seria a situação de perfeita igualdade na distribuição dos rendimentos (ou seja, todos os brasileiros dispondo exatamente da mesma renda) e 1 a de extrema concentração (um único cidadão detendo toda a renda do país e o restante dos habitantes sem qualquer rendimento).. O Brasil apresentou em 2021 um dos maiores valores desde 2012 – 0,544 -, após ter apresentado em 2020 o menor valor da série. Isso se deve, em parte, à redução dos benefícios emergenciais de transferência de renda que fez com que as pessoas mais pobres tivessem uma queda mais acentuada de sua renda, proporcionalmente aos mais ricos.

Gráfico 3: Índice de Gini da distribuição do rendimento domiciliar per capita Brasil – 2012 a 2021

Fonte: IBGE, 2022

Pode-se esperar que, ao final de 2022, a situação tenha apresentado algum alívio, mas não tão expressivo ou sustentado. De um lado, as dificuldades eleitorais do ex-Presidente levaram à elevação (oportunista, improvisada e pouco criteriosa, deve-se dizer) do chamado Auxílio Brasil para R$ 600,00 e à incorporação açodada de centenas de milhares de beneficiários; a taxa de desocupação seguiu em queda e houve alguma recuperação da massa salarial total. De outro lado, os rendimentos médios do trabalho seguiram em valores inferiores ao início da pandemia e a criação de postos de trabalho foi marcada pela precariedade e informalidade das ocupações. Além disto, a inflação de alimentos continuou superior aos índices gerais, penalizando de maneira mais severa os mais pobres.
O enfrentamento à pobreza e à desigualdade requer políticas coordenadas e articuladas nas diferentes áreas e entes federativos. Em primeiro passo, é necessária a retomada dos programas sociais na sua forma mais plena, com valores adequados, articulados com o Cadastro Único para atingir seu público alvo e com os condicionantes para recebimento. A educação vem por um outro lado como ferramenta de mobilidade social, sendo necessários a garantia de mecanismos para permanência das populações mais vulneráveis nas escolas e uma melhoria da qualidade de ensino nas regiões mais vulneráveis. Um terceiro passo é caminharmos para uma tributação mais justa, que onere menos a população mais pobre e atinja, de outro lado, os mais ricos. Ao lado disto, a recuperação do salário mínimo (que beneficia também várias modalidades de transferência de renda) e da qualidade, proteção e rendimentos dos postos de trabalho é fundamental. Há, certamente, um longo caminho a se trilhar.

Autor: Alexandre Henrique, sob a orientação de Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Deixe um comentário