O dia 8 de março é o Dia Internacional de Luta das Mulheres. Para contribuir para a reflexão sobre desafios e conquistas das mulheres, O Observatório das Desigualdades apresenta um pouco da realidade vivida pelas pessoas trans no Brasil, especialmente daquela das mulheres trans. Considerando que durante muito tempo, e ainda hoje, as pautas trans dentro do movimento feminista foram invisibilizadas e questionadas, esse post é também um ato de solidariedade ao movimento transfeminista, como corrente que compõe o movimento feminista e ajuda a construir um mundo mais justo e inclusivo para todas as mulheres.

 

O movimento trans no Brasil

No Brasil, no dia 29 de janeiro é comemorado o Dia da Visibilidade de Travestis e Transexuais; essa data foi escolhida após a campanha nacional promovida pelo Ministério da Saúde, em 2004, “Travesti e Respeito”, que buscou dar visibilidade à condição da comunidade trans no país (Jesus e Alves, 2012). De acordo com Jesus e Alves (2012), esse movimento por parte do poder público é importante, pois pessoas antes invisibilizadas passam a se perceberem como parte de um grupo social e começam a se comprometer subjetivamente com o grupo.

No país, as pessoas trans passam por diversos desafios, como a violação de seus direitos, a violência psicológica e física, além de crime de ódio. Contudo, a principal reivindicação desse grupo nos últimos anos é o direito à adoção do nome social. O processo necessário para a conquista desse direito, até o ano de 2018, demandava que o indivíduo passasse por cirurgias de redesignação genital, configurando uma cruel violência institucional (Jesus e Alves, 2012). Apesar de o STF ter instituído o direito à adoção do nome social, podendo ser efetivada a substituição do nome e gênero diretamente nos cartórios, sem passar por processos judiciais, a procura ainda é baixa devido à falta de políticas públicas e divulgação para a promoção desse direito entre a comunidade (Correio Braziliense, 2022). 

 

Figura 1 – Respeito à identidade de gênero e exposição do nome de registro (%)

     Fonte: ANTRA (2023)

Ainda segundo Jesus e Alves (2012), uma outra dificuldade da comunidade trans no Brasil continua sendo a visibilidade, mesmo com a presença de pessoas trans “nos diferentes espaços sociais, políticos, técnicos ou acadêmicos, a sua visibilidade na sociedade, nos meios de comunicação em particular, é concentrada no aspecto marginal ou criminal, e pouco no seu cotidiano e demandas”. Inclusive, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS DO BRASIL (ANTRA) verificou que as notícias reportadas na mídia costumam apresentar “distorções sobre as identidades” dos indivíduos trans, ou seja, não reconhecem ou não colocam o nome social da pessoa na reportagem. Como explicitado pela Figura 1, no ano de 2022, cinco reportagens retratam de forma errônea o gênero da vítima, tratando-as como “homens” ou “homossexuais” nas notícias. Enquanto isso, em 43 casos, ao invés de identificarem a vítima apenas pelo seu nome social, expuseram o nome de registro, não respeitando um direito garantido às pessoas trans (ANTRA, 2023).

 

Um exemplo atual

 

Nas eleições de 2022, foi observado o aumento de 49% do número de candidaturas trans no Brasil:  enquanto em 2018 foram 53 candidaturas, em 2022 esse número aumentou para 79, sendo 70 delas de travestis e mulheres trans. Isso significou um recorde de participação de pessoas trans na disputa por posições governamentais (ANTRA, 2023). Ainda que apenas cinco candidatas tenham sido eleitas para cargos oficiais, pela primeira vez no país foram escolhidas para integrar a Câmara dos Deputados duas representantes não cisgêneras, as deputadas Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP) (Transfobia em dados, 2022).

Em contrapartida, mesmo com as conquistas observadas durante as eleições, que podem ser consideradas muito positivas para a maior visibilidade desse grupo na sociedade brasileira e o aumento do poder de reivindicação de suas pautas e demandas, durante o processo eleitoral foram cometidos 665 ataques transfóbicos, principalmente por meio do Twitter (Transfobia em dados, 2022). Assim, a discriminação e o preconceito ainda se mostram muito presentes na sociedade. De acordo com a Figura 2, as principais formas de violência cometida contra as deputadas estavam relacionadas com o questionamento sobre a identidade de gênero, ao uso inadequado da linguagem e dos pronomes de gênero, além da adjetivação acompanhada de transfobia.    

 

Figura 2 – ​​Tipos de ataques transfóbicos

Fonte: Transfobia em dados, 2022



Vítimas com nome e sobrenome 

 

Em 2022 o Brasilcontinuou sendo o país que mais assassina pessoas trans no mundo, mesmo com a grande subnotificação e falta de dados, indicando que o número de vítimas é ainda mais expressivo.o A falta de políticas de enfrentamento à violência contra essa parte da população e o aumento de ações antitrans e propostas que acabam por institucionalizar ou naturalizar a transfobia contribuem para que o número de assassinatos permaneça alto (ATRA, 2023). 

Dessa forma, como ilustrado pela Figura 3, no ano de 2022, foram cometidos 131 assassinatos contra pessoas trans, sendo que, desses, 130 vítimas se identificavam como travestis/mulheres trans. Isso indica que os crimes ocorridos possuem clara relação com a identidade de gênero e o reconhecimento da vítima como travesti/mulher trans. Entre 2017 e 2022, considerando todos os casos de assassinatos de pessoas trans mapeados pela ANTRA, 97,5% das vítimas foram pessoas transfemininas, o que significa que essa parte da comunidade trans tem 38 vezes mais chances de ser assassinada, quando comparada a pessoa transmasculina ou não binária. Segundo o dossiê “ASSASSINATOS E VIOLÊNCIAS CONTRA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS BRASILEIRAS EM 2022”, existe um perfil claro para as vitimas: “é a travesti ou mulher trans, negra, pobre, periférica, que é percebida dentro de uma estética travesti socialmente construída e, principalmente, profissionais do sexo que atuam na prostituição nas ruas” (ATRA, 2023). 

 

Figura 3 –  Assassinatos Travestis e mulheres trans (2017-2022)

 Fonte: ANTRA (2023)

 

Conclusão 

 

Portanto, percebe-se que a comunidade trans, em especial as mulheres trans, sofrem agressões em diversas esferas da sociedade, incluindo do Estado que deveria garantir o pleno exercício de seus direitos como cidadãos. As violências vividas por essas pessoas partem desde a dificuldade/preconceito de ser reconhecida como pessoa trans, até ser vítima de assassinato por crime de ódio. No Brasil, ainda tem-se muito o que avançar em termos de políticas públicas para a promoção da visibilidade e do aumento da aceitação dessa comunidade. Com o objetivo de contribuir para o aumento da visibilidade do movimento trans, visto que esse é um grande desafio ainda enfrentado por esse grupo, o Observatório convida a acessar os materiais indicados abaixo para conhecer mais sobre o movimento e a entender as vivências de pessoas trans a partir de seus relatos pessoais:  

 

  • Pessoas para acompanhar:

Duda Salabert (@duda_salabert)

Erika Hilton (@hilton_erika)

Giovanna Heliodoro (@transpreta)

Angela Ponce (@angelaponceofficial)

Symmy Larrat (@symmylarrat_ofc)

Linn da Quebrada (@linndaquebrada)

Laverne Cox (@lavernecox)

 

  • Páginas e ONGs para acompanhar:

Associação Nacional de Travestis e Transexuais Do Brasil (ANTRA)

Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT)

Movimento Mães da Resistência (@maesdaresistencia)

TransEmpregos (@transempregos)

 

  • Filmes/Séries:

Manhã de Setembro – disponível no Prime Video

Uma Mulher Fantástica – disponível no Prime Video

Alice Júnior – disponível na Netflix

Indianara – disponível no Telecine Play 

Pose – disponível na Netflix



Referências

ANTRA. Dossiê: ASSASSINATOS E VIOLÊNCIAS CONTRA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS BRASILEIRAS EM 2022. 2023. Disponível em:<https://antrabrasil.org/assassinatos/>

ANTRA. Candidaturas Trans em 2022. 2022. Disponível em:<https://antrabrasil.org/eleicoes2022/>

Correio Braziliense. Pessoas trans ainda enfrentam batalha para retificar o nome. 2022. Disponível em:<https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/07/5022844-pessoas-trans-ainda-enfrentam-batalha-para-retificar-o-nome.html>

 Transfobia em dados. Violência de gênero nas eleições de 2022. 2022. Disponível em:<https://www.transfobiaemdados.com/>

 

Autores: Lorena Auarek, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

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