O Observatório do Trabalho de Minas Gerais, uma colaboração entre a Fundação João Pinheiro e a Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, divulgou em março um boletim sobre o mercado de trabalho feminino em 2022 [1], estabelecendo uma comparação com o contexto pré-pandemia. Como mostra Raies (2021) [2], a sobrecarga com o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado e o direcionamento das mulheres a ocupações menos valorizadas no mercado de trabalho são os dois principais pilares da desigualdade de gênero nessa esfera. Com a pandemia, essa realidade foi ainda mais descortinada, principalmente em função do aumento da sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico, resultante do fechamento das escolas e da maior presença dos membros da família em casa. Nesse sentido, o boletim apresenta três dimensões principais: a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho, os postos de trabalho que elas ocupam e a desigualdade de gênero nos rendimentos do trabalho em Minas Gerais.

Para discutir a participação das mulheres no mercado de trabalho, é imprescindível reconhecer o impacto do trabalho doméstico sobre essa questão e a necessária reorganização dessas responsabilidades para tornar a participação possível. Conforme o boletim, o fechamento de escolas e creches e de empresas e negócios que concentravam mão de obra feminina, além dos efeitos de restrições macroeconômicas, resultaram na saída de mulheres do mercado de trabalho. A taxa de participação no mercado de trabalho, representada no gráfico 1, reflete essa situação: enquanto, em 2020, as taxas de participação de homens brancos e negros caíram em 1,5 e 3,0 pontos percentuais (p.p.), respectivamente, em relação ao ano anterior, a taxa das mulheres brancas caiu 4,2 p.p. e a das mulheres negras caiu 4,9 p.p. Comparando a participação entre mulheres e homens em 2022, as mulheres negras ficaram 18,5 p.p. e as brancas 20,1 p.p. abaixo da taxa dos homens brancos.

Gráfico 1: Evolução da taxa de participação segundo sexo e raça ou cor (Minas Gerais, 2012 – 2022)

Fonte: Observatório do Trabalho de Minas Gerais (2023)

Os motivos para os indivíduos fora da força de trabalho não desejarem – ou, mais frequentemente, não poderem – trabalhar explicitam o impacto da divisão sexual do trabalho sobre as mulheres [3], na medida em que a ocupação com os trabalhos domésticos, com filhos e com outros parentes foi o motivo mais frequente entre as mulheres, em 32,4% dos casos, percentual quase dez vezes superior ao de homens que relataram o mesmo motivo, que foi de apenas 3,4%. Outro destaque no boletim é a justificativa de não trabalhar por se dedicar aos estudos, utilizada por 20,3% dos homens e 12,8% das mulheres.

Quando se analisam gênero e raça de forma combinada, uma grande desigualdade percebida entre mulheres brancas e negras é no nível de instrução, fator fundamental para o desempenho no mercado de trabalho. Apesar de ter ocorrido aumento na proporção de mulheres com ensino superior completo nos dois grupos, 35,0% das brancas possuem esse nível de instrução, contra apenas 19,9% das negras. O perfil das mulheres ocupadas mostra ainda um aumento das mulheres em condição de responsável do domicílio, com destaque para as mulheres negras, e redução do percentual delas em condição de cônjuge.

O gráfico 2 apresenta a distribuição das mulheres por condição de ocupação, revelando ainda mais o entrelaçamento entre as desigualdades de gênero e de raça no mercado de trabalho. Enquanto as mulheres brancas se destacam como empregadoras – 5,2% contra 2,1% das negras – as mulheres negras se destacam como trabalhadoras domésticas, que caracteriza a ocupação de 18,0% desse grupo, enquanto representam apenas 10,0% das mulheres brancas ocupadas.

Gráfico 2 – Distribuição das mulheres ocupadas por condição da ocupação (Minas Gerais, 2019 – 2022)

Fonte: Observatório do Trabalho de Minas Gerais (2023)

A distribuição das mulheres ocupadas por grupos ocupacionais mostra uma significativa diferença entre o percentual por raça ou cor na categoria de profissionais das ciências e intelectuais, em que se encontra 20,0% das mulheres brancas e apenas 10,2% das mulheres negras. O segundo grupo se destaca nas categorias de trabalhadoras dos serviços e vendedoras e ocupações elementares, em que se insere a ocupação de empregada doméstica.

Se os dados apontados até então já revelam uma profunda desigualdade, as diferenças salariais explicitam ainda mais a discriminação de gênero e racial no mercado de trabalho (tabela 1). A média de rendimento efetivo mensal entre pessoas com ensino superior completo é de R$ 5993,00 para homens brancos, R$ 5071 para homens negros, R$ 3771,00 para mulheres brancas e R$ 2915,00 para mulheres negras. Isso significa que a média de rendimento de homens brancos com ensino superior completo é mais que o dobro da média de mulheres negras com o mesmo grau de instrução. Ainda que em menor proporção, a diferença de rendimento ocorre para todos os níveis de instrução, de modo que homens brancos possuem os maiores rendimentos, seguidos pelos homens negros e, em seguida, pelas mulheres brancas, recebendo os menores rendimentos as mulheres negras. Este ponto é bastante importante, pois mostra que as desigualdades não são totalmente explicadas por elementos externos ao mercado de trabalho; não se devem totalmente à escolaridade ou formação. Isto evidencia o elemento de discriminação racial e de gênero próprio do mercado de trabalho – uma dimensão do racismo e do patriarcalismo que são constitutivos de nossa formação social e que dessa forma devem ser compreendidos e enfrentados.

Tabela 1 – Rendimento efetivo médio mensal de todos os trabalhos segundo gênero, raça/cor por grau de instrução (Minas Gerais, 2022)

Fonte: Observatório do Trabalho de Minas Gerais (2023)

O boletim do Observatório do Trabalho evidencia a desigualdade de gênero e racial que se sobrepõem criando obstáculos à participação das mulheres no mercado de trabalho e deixando-as em profissões menos valorizadas e com rendimentos muito inferiores em relação aos homens. Minas Gerais se depara com uma situação que exige políticas públicas que promovam a igualdade e a participação da mulher no trabalho, olhando para a divisão desigual do trabalho doméstico, a dupla jornada de trabalho, a discriminação no mercado e outros fatores que estão na base dessas desigualdes.

Autora: Anna Clara Mattos, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Leia mais sobre o mercado de trabalho feminino

[1] Observatório do Trabalho de Minas Gerais. Boletim do Mercado de Trabalho Mineiro. Temática Especial – Mulheres. Fundação João Pinheiro, 2023. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1-08I1OVcmUf-n64iikGTBamadlK1KETz/view

[2] No Capítulo 3 do livro “A igualdade terá o rosto da mulher”, Nícia Raies discute os impactos da pandemia sobre o trabalho das mulheres. Acesse em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/230270/001130802.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[3] O post “8M: atraso e desigualdades no trabalho doméstico” aborda a divisão sexual do trabalho e a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico. Acesse em: https://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=1548

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