No dia 04/05, a chamada “Lei da Equidade Salarial” (PL 1.085/2023) foi aprovada na Câmara dos Deputados. Esse projeto de lei institui a obrigatoriedade de salários iguais para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício de mesma função, sem distinções de cor, gênero, etnia, origem e idade. Caso o empregador não cumpra essa obrigatoriedade, será multado em 10 vezes o valor do salário. O projeto também apresenta artigos voltados para a fiscalização e transparência.

A desigualdade salarial é uma realidade que acompanha o mercado de trabalho desde a gênese do capitalismo. A percepção de que o dever natural das mulheres é o serviço doméstico teve grande papel no estabelecimento de tal realidade. Sobre essa questão, Cristina Carrasco (2008) afirma que nesse período [séculos XVIII e XIX], prevalecia o entendimento de que o salário das mulheres solteiras deveria ser igual ao que custa o sustento delas, mas não precisaria ser superior. O mínimo para um homem é sempre acima disso, porque para os homens o salário deve ser suficiente para sustentar a si mesmo, uma mulher e um número adequado de filhos.”.

Em adição, o fato de as mulheres receberem menos era uma forma de mantê-las em seus papéis sociais de mães e esposas (HARTMANN, 1979; FOLBRE 1994, p. 95). Em uma sociedade capitalista, um dos principais aspectos do poder é a posse de dinheiro: essa posse oferece ao ser humano a possibilidade de comprar o que é essencial para sua sobrevivência e bem estar. Ao se considerar isso, entende-se que a desigualdade salarial é uma forma de manter as mulheres em uma posição de inferioridade e, em muitos casos, dependência em relação a uma figura masculina, tal como as ideias de Carrasco, Hartmann e Folbre sugerem. Sob essa perspectiva, a equidade salarial é essencial para a possibilidade de emancipação feminina.
Em adição, é importante ressaltar que a desigualdade salarial não pode ser explicada por uma diferença na produtividade ou na qualidade do trabalho feminino: de acordo com o estudo Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil (2021) divulgado pelo IBGE, a conclusão do ensino superior é mais frequente entre as mulheres – que, por consequência, possuem mais especialização (Tabela 01). Análise similar pode ser feita a partir da Tabela 02.

Tabela 01: Taxa de conclusão do ensino superior por sexo nas Grandes Regiões (2019)

Fonte: IBGE (2019)

Tabela 02: Taxa de conclusão do ensino médio por sexo nas Grandes Regiões

Fonte: IBGE (2019)

Além da situação geral das mulheres, é necessário fazer um recorte de raça ao se estudar a desigualdade salarial: mulheres negras recebem aproximadamente 46% do salário de um homem branco (Tabela 03). Como estabelecido anteriormente, dentro de um sistema centrado em renda, a iniquidade de rendimento é uma forma de violência sistêmica, dessa forma, conclui-se que essa violência é maior contra as mulheres negras. Dessarte, a equidade salarial é também uma pauta crucial na luta antiracista.

Tabela 03: Rendimento habitual de todos os trabalhos e razão de rendimentos das pessoas ocupadas de 14 anos ou mais de idade, por sexo, cor ou raça nas Grandes Regiões (2019)

Fonte: IBGE (2019)

A criação de uma legislação específica para determinado problema implica, ao menos em teoria, que o Estado, por meio de recursos burocráticos e políticos, irá se empenhar para mitigar tal problema, ou seja, o projeto de lei nº 1085/2023 representa um grande avanço por reconhecer a desigualdade salarial como uma realidade e por propor medidas que enfrentem essa realidade. É também interessante que a lei proponha formas de fiscalização e sanções claras, o que pode ser observado no caso do PL em questão:

Art. 4º A igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens será garantida por meio das seguintes medidas: I – estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e remuneratória; II – incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e remuneratória entre mulheres e homens; III – aplicação de sanções administrativas em caso de desigualdade ou discriminação salarial e remuneratória entre mulheres e homens; e IV – facilitação de meios processuais para a garantia da igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens. Art. 5º Fica determinada a publicação de relatórios de transparência salarial e remuneratória pelas pessoas jurídicas de direito privado com vinte ou mais empregados.

Em conclusão, o projeto de equidade salarial é um dos vários passos que a sociedade brasileira deve tomar em direção a um Brasil livre do machismo e do racismo, e, por consequência, em direção a uma sociedade mais igualitária.

Autora: Alessandra Kadar, sob a orientação de Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Referências:
TEIXEIRA, Marilane. Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas. Niterói, Revista Gênero, v. 9, n. 1, p. 31-45, 2008. Disponível em: <periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/30952/18041>

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de lei nº 1085/2023. Dispõe sobre a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens para o exercício de mesma função e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2242565&filename=PL%201085/2023>

Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil (2019). IBGE, 2021. Disponível em: <www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=sobre>

Leitura sugerida:
www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/maio/conheca-os-principais-pontos-do-pl-da-igualdade-salarial-aprovado-na-camara-nesta-quinta-feira-4

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