As mulheres, diariamente, passam por humilhações em diferentes esferas, seja em âmbito privado ou público. É comum observar ofensas proferidas por pessoas descuidadas na internet, principalmente em redes sociais. Porém, é preciso lembrar que a internet não é uma terra sem lei. Nos últimos dias, Tallis Gomes, presidente da G4 Educação, não perdeu a oportunidade de nos infligir algumas destas barbaridades pelo Instagram. Por meio da ferramenta de perguntas e respostas, Tallis recebeu a seguinte indagação: “Se sua mulher fosse CEO de uma grande companhia, vocês estariam noivos?”, ao que respondeu: “Deus me livre de mulher CEO […] essa mulher vai passar por um processo de masculinização que invariavelmente vai colocar meu lar em quarto plano, eu em terceiro plano e os meus filhos em segundo plano. Na média, esse não é o melhor uso da energia feminina. A mulher tem o monopólio do poder de construir um lar e ser base de uma família – um homem jamais seria capaz de fazer isso. Pra quê fazer a vida dessa mulher pior dessa forma?”. 

Após seus comentários viralizarem, ele realizou uma tentativa de se retratar, utilizando de artifícios como a quantidade de mulheres que trabalham em suas empresas, assim como o fato de sua sócia no G4 ser uma mulher, o típico discurso de “se tenho amigas mulheres, por que eu seria machista?”. Tudo que foi proferido é bastante problemático por diversos motivos. Tallis possui o direito de preferir se relacionar com uma mulher que demonstre tais características – e é bem possível que consiga alguém que se disponha a isto, já que há gosto para tudo mesmo neste mundo-  mas, da posição em que se encontra, seria prudente ter cautela ao regurgitar um discurso que relega as mulheres à posição subalterna da qual existe tanta luta em tirá-las. Mas este post não é sobre Tallis e sua vida amorosa; nenhum dos dois são tão importantes. A questão aqui é como este discurso e a reação a ele expressa os avanços e o longo caminho ainda a percorrer na luta pela emancipação feminina, ou no mínimo, pela superação das formas mais brutas de opressão a que são ainda submetidas.

Observando a história da resistência feminina pela igualdade de direitos, nota-se que, apesar de todos os avanços conquistados, a disparidade de gêneros ainda é muito presente em diferentes âmbitos. Os efeitos do patriarcado na sociedade se dão de tal forma que afetam diretamente a divisão e a remuneração do trabalho, impondo obstáculos para o ingresso e a estadia justa das mulheres no trabalho não doméstico. Nesse sentido, criou-se um imaginário em que as mulheres são mais aptas ao serviço relativo aos cuidados do lar e dos dependentes do que os homens, uma mera desculpa para que elas sejam sempre subjugadas na sociedade. Assim, posições de liderança e outras atividades fora da esfera doméstica são vistas como masculinas, e as mulheres que se atrevem a ocupá-las passam por um processo de “masculinização” aos olhos da sociedade. 

A tabela 1 mostra claramente como a divisão sexual se dá, pois as cinco primeiras atividades em que as mulheres possuem maior presença estão ligadas ao cuidado com a saúde, à confecção de vestuários e à alimentação.

Tabela 1 – Atividades em que as mulheres possuem maior presença, rendimentos médios e razão homens/mulheres.

Fonte: RAIS/MTE

Segundo o 2° Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, que utiliza dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2023, as mulheres recebem 20,7% menos do que os homens nas cerca de 51.000 empresas analisadas que contam com 100 empregados ou mais. A média remuneratória dos homens é de R$4.495,39, ao passo que a das mulheres é de R$3.565,48. Nesse sentido, observa-se que as mulheres ainda sofrem com a exclusão no mercado de trabalho, uma vez que a igualdade salarial é prevista na CLT desde 1943, mas a maioria das empresas se isentam dessa obrigação. Em termos de cargos de liderança, como o de CEO – destacado por Tallis Gomes – as mulheres recebem 27% menos do que os homens. Nas funções de níveis superiores a diferença é ainda maior, chegando a 31%.

É necessário que, além de combater discursos patriarcais e machistas como o de Tallis Gomes, as políticas de equidade salarial e de oportunidade estejam cada vez mais fortes no âmbito brasileiro. Somente assim as mulheres serão libertas das amarras históricas e poderão prosperar nos espaços que podem – e devem! – ocupar.

 

Autora: Beatriz Acácio, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti

 

 

 

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

 

Referências

Ministério do Trabalho e Emprego. 2º relatório de transparência e igualdade salarial. 2024.

Ministério do Trabalho e Emprego. Mulheres ganham 20,7% menos que homens em empresas com mais de 100 funcionários, aponta 2° Relatório de Transparência Salarial. 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Setembro/mulheres-ganham-20-7-menos-que-homens-em-empresas-com-mais-de-100-funcionarios-aponta-2deg-relatorio-de-transparencia-salarial>.

BOLZANI, I. g1. Após dizer ‘Deus me livre de mulher CEO’, Tallis Gomes é criticado e pede desculpas. 2024. Disponível em: <https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/09/20/tallis-gomes-deus-me-livre-de-mulher-ceo-desculpas.ghtml>.

 

 

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