No dia 1º de maio é celebrado o Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras, no Brasil e em vários outros países. A origem do Dia Internacional dos Trabalhadores pode ser encontrada na série de eventos que têm lugar em Chicago (EUA), a partir de primeiro de maio de 1886. Em um contexto em que eram comuns jornadas de trabalho de 17 horas ou mais, os trabalhadores iniciaram uma greve que buscava principalmente a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. A greve mobilizou em torno de 300 mil trabalhadores, um número muito expressivo considerando a população e a força de trabalho da indústria à época. A forte repressão policial à greve deu origem a uma espiral de maior mobilização dos trabalhadores e à intensificação da violência policial, culminando no confronto na praça Haymarket, em que a polícia abriu fogo contra os manifestantes, levando a dezenas de mortos e feridos. 

          Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, então o principal movimento internacional de organização operária, convocou manifestações em vários países para o 1º de maio, a fim de homenagear os operários de Chicago e incentivar a luta pela jornada de oito horas de trabalho. Dois anos depois, em 1891, a polícia francesa reprimiu com violência as manifestações operárias no 1º de maio da França, deixando um saldo de dez trabalhadores mortos, o que acabou por consolidar a data como símbolo internacional da luta dos trabalhadores e das pautas que representavam. Ou seja, apesar de suas origens terem sofrido certa esterilização a partir de sua incorporação ao calendário oficial de datas e comemorações – como aliás também acontece com o 8 de março, Dia de Luta das Mulheres -, mais do que nunca é preciso lembrar que o 1º de maio é uma data mais de luta do que de comemorações.

          É importante reforçar este ponto porque, no ano de 2021, o 1º de maio no Brasil seguramente esteve entre os mais tristes da história do país, e não unicamente pela tragédia sanitária produzida pela combinação da pandemia com a alternância entre omissão, sabotagem e incompetência no seu enfrentamento. Aos mais de 400 mil mortos e ao sofrimento de doentes com sequelas e de tantos familiares, soma-se a deterioração rápida das condições de vida em diversas dimensões, sendo justamente o mercado de trabalho uma de suas faces mais visíveis. 

          O Brasil chegou a este primeiro de maio com uma taxa de desemprego em torno de 14,4% (dados para o trimestre encerrado em fevereiro), uma das mais altas da série histórica (IBGE, 2021). No entanto, mesmo esta alta taxa traz embutida uma subestimação da fragilidade do mercado de trabalho, já que o cálculo é feito em comparação com a população na força de trabalho, que sofreu forte queda em função da pandemia. Daniel Duque (2021) estima uma taxa de desemprego mais realista, de quase 17%, se o mesmo número de desempregados fosse cotejado com uma redução menor na força de trabalho (metade do que foi) (DUQUE; MARTINS; PERUCHETTI, 2021).

          No entanto, o que queremos discutir aqui é que, subjacente à crise aguda precipitada pela pandemia, encontrava-se um mercado de trabalho já bastante fragilizado e em processo de precarização. Expressão agregada e muito sintética deste processo complexo é a perda da expressão do trabalho no conjunto da economia do país, como pode ser percebido no gráfico abaixo. Na primeira metade da década, a participação do trabalho no Produto Interno Bruto vinha se recuperando, resultado do crescimento da renda e de várias políticas, como valorização do salário mínimo, recuperação dos rendimentos de várias carreiras públicas (como Piso Nacional do Magistério, entre muitas outras), reconhecimento dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores domésticos etc. No entanto, desde 2015, esta recuperação se estagnou e, a partir de 2016, a remuneração do trabalho perde espaço no conjunto da economia.

Gráfico 1 – Participação percentual da remuneração do trabalho sobre o PIB, no Brasil, de 2010 a 2018

Fonte: IBGE, Sistema de Contas Nacionais, 2010 a 2018.

          Pode-se argumentar que parte deste processo se deve à recessão econômica de 2015 e 2016 e ao baixo crescimento ou estagnação que se seguiu. De fato, é difícil negar que parte da deterioração no mercado de trabalho responde à deterioração da economia como um todo e, na verdade, é parte dela. No entanto, como se vê, nem mesmo a lenta e modesta recuperação da economia anterior ao choque da pandemia foi acompanhada de recuperação ou manutenção da participação do trabalho na renda, ao contrário. Deve-se, portanto, buscar outras razões para o fenômeno. Outra parte delas será encontrada em mudanças estruturais da economia, como tecnologias poupadoras de mão de obra e nas decisões de política econômica, com redução da demanda agregada em setores mais intensivos em mão de obra, como construção civil. Não há, porém, como desconsiderar na caracterização e na explicação da deterioração das condições de trabalho, o papel do abandono ou esvaziamento de um conjunto de políticas de proteção ao trabalho – interrupção da valorização do salário mínimo, esvaziamento dos mecanismos de fiscalização das condições de trabalho, enfraquecimento (quando não sabotagem) das ações de combate ao trabalho escravo, entre outras – e também das mudanças institucionais e da legislação em desfavor dos trabalhadores no balanço da relação empregador – empregado. Alguns destes processos e mudanças serão tratados daqui em diante.

          Para isto, é fundamental tratar, ainda que de forma breve, dos impactos da lei 13.467/17, a Reforma Trabalhista, no mercado de trabalho e mapear algumas de suas consequências diretamente para os trabalhadores e para o provimento dos direitos sociais, em especial o direito ao trabalho.

          Em vigor desde novembro de 2017, a lei 13.467/17 alterou muitos artigos das leis trabalhistas – principalmente da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) -, e essas alterações tinham objetivos muito claros. Dentre eles, estavam a redução do desemprego e a modernização da legislação vigente, visto que, segundo seus defensores, as leis criadas por Getúlio Vargas em 1943 teriam tornado o mercado de trabalho inflexível e, por conseguinte, dificultado os contratos de trabalho e seriam um empecilho para o desenvolvimento econômico. Para alcançar tais objetivos, foi introduzido um conjunto de medidas nas normas trabalhistas que pretendia cortar os custos dos empresários oriundos das relações com os trabalhadores, ou seja, custos relacionados à contratação, à remuneração, às folgas, deslocamentos, e às consequências jurídicas da inadimplência da legislação. À época, o governo acenava com a criação de 6 milhões de empregos como consequência direta da aprovação das reformas.

          Após 3 anos da reforma, porém, os dados não apontam para uma melhora na geração de empregos e nem para um aumento no número de postos de trabalho formais. Pode-se, no mínimo, afirmar que as novas regras não foram capazes de cumprir sua promessa de um efeito significativo de dinamização do mercado de trabalho e valorização da remuneração dos trabalhadores. Ao contrário, assiste-se ao recrudescimento da precarização do trabalho e o aumento na restrição do acesso à justiça pelos trabalhadores (KREIN; FILGUEIRAS; OLIVEIRA, 2019).

          Iniciaremos a discussão analisando dados sobre a taxa de desemprego no pós-reforma. O gráfico 2, referente aos Estudos Especiais do Banco Central (2018), mostra a evolução da população ocupada nos cinco ciclos mais atuais de recessão e recuperação econômica no Brasil. Comparando-se a recuperação do mercado de trabalho no ciclo de 2016 com os anteriores, nota-se que há um lento aumento de apenas 1,9%, contrastando com os respectivos aumentos de 4,9%, 7,7%, 3,9% e 4,1% nos períodos de 1999, 2001, 2003 e 2009. Conclui-se que a Reforma Trabalhista não foi suficiente para gerar novos empregos e, portanto, não cumpriu um dos seus principais objetivos iniciais (KREIN; FILGUEIRAS; OLIVEIRA, 2019).

          Por sua vez, o gráfico 3 apresenta os resultados da PNAD contínua trimestral relativos à taxa de desocupação para o período de 2012 até 2020. A taxa de desocupação do terceiro trimestre de 2020 foi a maior da série, o que pode ser explicado principalmente pela pandemia da COVID-19, que resultou em muitas demissões e em uma crise econômica sem precedentes. Todavia, nota-se que no período de 2018 a 2019, intervalo de vigência da nova legislação e em que o país não se encontrava em recessão, ainda que a recuperação fosse muito modesta, não houve uma diminuição na taxa de desocupação, que se manteve em patamares relativamente constantes, reiterando a baixa ênfase ou capacidade de dinamizar o mercado de trabalho das políticas adotadas e da própria mudança na legislação.

Gráfico 2 – Evolução da população ocupada nas recessões e expansões

Fonte: Banco Central do Brasil, 2018.

Gráfico 3 – Taxa de desocupação e taxas combinadas (%) de subutilização da força de trabalho no Brasil, das pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência. Brasil 2012 –2020

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2012-2020. Elaboração dos autores.

          Ao contrário dos resultados no mínimo limitados em termos de geração de postos de trabalho, existem várias evidências da deterioração das condições de trabalho, explicada, em parte, por estas mudanças e opções de política, como o aumento da informalidade, da jornada de trabalho e a restrição da atuação da Justiça do Trabalho. O gráfico 4 ilustra a taxa de formalidade e de informalidade no Brasil, de 2012 a 2018, e fica evidente que há uma tendência de aumento da informalidade que não foi cessada com a Reforma Trabalhista, ao contrário. Após um ano da reforma em questão, o percentual de indivíduos empregados sem carteira assinada saltou de 49,6% para 50,3% – 532 mil pessoas a mais sem direitos trabalhistas. Desse modo, uma das grandes promessas da reforma em questão era a diminuição da informalidade com a adição de novos tipos de contrato, como o trabalho intermitente, e a redução nos custos de contratação. Contudo, o que se vê na prática é um avanço do emprego informal, reduzindo o acesso dos trabalhadores à justiça.

Gráfico 4 – Taxa de formalidade X Taxa de Informalidade – Brasil 2012 – 2018

Fonte: COLOMBI; KREIN, 2019

          Mas, além da tendência de aumento da informalidade, a criação de novas modalidades – formais, no sentido de legalizadas, mas mais precárias e menos protegidas –  de contratação teve o efeito de rebaixar ainda mais a qualidade dos próprios postos formais gerados no período. É o caso da contratação intermitente, por exemplo. Essa modalidade foi instituída pela reforma trabalhista e reconhece um tipo de ocupação em que o trabalhador é contratado com carteira assinada, mas sem a garantia de um mínimo de horas de trabalho. O dito empregado pode, até mesmo, permanecer vários meses totalmente sem trabalho e sem remuneração. A tabela 1 expressa o saldo de empregos com carteira assinada, comparando o total com aqueles por contrato intermitente.

Tabela 1 – Saldo de empregados com carteira assinada, total e por contrato intermitente, com as respectivas variações entre os anos, e proporção do saldo de empregos com  carteira assinada, segundo as Grandes Regiões – 2018-2019

Fonte: IBGE. Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2020. 

          O que a comparação entre os novos contratos intermitentes e o saldo de postos de trabalho evidencia como a modalidade intermitente vem se tornando cada vez mais representativa no total de vínculos empregatícios.

          Em 2018, do saldo total de empregos com carteira assinada, 9,4% (51 mil) eram postos de trabalho com contrato intermitente. Em 2019, esta proporção aumenta, sendo mais de 85 mil novos postos gerados na modalidade intermitente, ou 13,3% do total de novos empregos com carteira assinada. Além disto, pode-se ver ainda na tabela que este processo de substituição dos vínculos contínuos pelos de natureza intermitente foi mais intenso na Região Nordeste (quase 20% dos novos contratos), que já enfrenta vulnerabilidades de várias naturezas. Ou seja, além da ampliação da informalidade no mercado de trabalho, as ocupações formais vêm se tornando mais precárias, já que, nos meses em que for menos requisitado, não apenas a remuneração do trabalhador será menor, como também isto impactará negativamente outros rendimentos, como aqueles referentes a férias, 13º salário etc. 

          Ao analisar a jornada de trabalho, os dados apontam para uma polarização entre as faixas analisadas. Através do gráfico 5, é possível observar que, entre 2012 e 2015, há uma tendência de queda dos empregados que trabalham até 14hrs (-7,89%) e mais que 49hrs (-27,07%), enquanto há uma tendência de aumento os empregados que trabalham entre 15 e 39hrs (+7%), 40 e 44hrs (+18,34%), 45 e 48hrs (+0,65%), no mesmo período. Entre 2018 e 2019 — pós Reforma Trabalhista — há uma tendência de aumento dos empregados que trabalham até 14hrs (+5,41%), entre 15 e 39hrs (+1,94%), entre 40 e 44hrs (+0,8%.)  e mais que 49hrs (+6,60%), enquanto há uma tendência de diminuição dos empregados que trabalham entre 45 e 48hrs (-1,1%).

Gráfico 5 – Pessoas ocupadas de 14 anos ou mais de idade por faixa de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal (Brasil, 2012 a 2019, 1º trimestre do ano) – em milhões de ocupados

Fonte: KREIN; FILGUEIRAS; OLIVEIRA, 2019. Elaborado pelos autores.

          O gráfico 6 ilustra a faixa de horas trabalhadas em milhões de empregados sem carteira assinada para o primeiro trimestre de cada ano, e observa-se a mesma tendência que ocorre com os empregados com carteira assinada. Nesse sentido, as duas faixas extremas de média de horas trabalhadas por semana foram as que apresentaram os maiores crescimentos no período de 2018 a 2019 — pós-Reforma Trabalhista —, ou seja, a faixa de até 14 horas (+12,7%) e a de 49 ou mais (+10,1%). Esses números contrastam com o período anterior, de 2012 a 2017, no qual registraram uma queda de -25,5% e -46,1% para as respectivas faixas. Isso mostra que, para os trabalhadores sem carteira assinada, o número de pessoas que trabalham fora da jornada padrão não só aumentou, como aumentou em uma intensidade maior quando comparado com os trabalhadores de carteira assinada, apontados no gráfico 4. Além da promessa de aumento de contratos dentro da faixa de jornada padrão não ter se concretizado, houve um aumento de indivíduos que trabalham na informalidade e trabalhando uma maior jornada semanal.

Gráfico 6  – Empregados sem carteira de trabalho de 14 anos ou mais de idade por faixa de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal – 1º trimestre do ano (Brasil, 2012 a 2019)

Fonte: KREIN; FILGUEIRAS; OLIVEIRA, 2019. Elaborado pelos autores.

          Em última análise, a Reforma Trabalhista também estabeleceu um intenso processo de transformação da regulação do trabalho, com mudanças normativas nos contratos de trabalho e nas negociações coletivas, por meio de cortes orçamentários ou de medidas diretas que inibem a atuação dos sindicatos. Uma das mudanças normativas mais importantes foi em relação ao acordo coletivo que, com a vigência da Reforma Trabalhista, o acordo de interesses entre o empregado e o empregador pode ser negociado de forma direta entre as partes, sem a mediação do sindicato ou sem o caso ser levado à justiça do trabalho. 

          O gráfico 7 ilustra o número de reclamações trabalhistas ajuizadas no período de 1980 até 2018 e nota-se que em 2016 e 2017 houve um acentuado aumento no número de reivindicações explicado por uma “corrida ao Judiciário” para aproveitar as regras vigentes antes da sanção da Lei nº 13.467/2017. Já a partir de 2017, observa-se uma queda abrupta e que continua em um patamar baixo no ano de 2018, demonstrando que as medidas da Reforma Trabalhista vão em direção à uma perspectiva cada vez mais individualista e que responsabiliza diretamente o trabalhador pela violação de seus próprios direitos, colocando-o em uma posição vulnerável perante ao empregador. 

Gráfico 7 – Número de reclamações trabalhistas ajuizadas entre 1980 e 2018

Fonte: KREIN; FILGUEIRAS; OLIVEIRA, 2019.

          Finalmente, é um sinal preocupante os efeitos destas mudanças sobre a capacidade de barganha e negociação dos trabalhadores. O número e a proporção de trabalhadores sindicalizados no Brasil, segundo o IBGE, vêm caindo desde 2014 e, segundo os especialistas do órgão, esta queda se acentuou após a reforma trabalhista de 2017. Esta queda não é relevante apenas para as negociações salariais em cada categoria, mas guarda relação estreita com a distribuição de poder entre segmentos sociais e econômicos, que ajudam a explicar a manutenção de altos níveis de desigualdade salarial no Brasil. (SARAIVA; LAZZAROTTI, 2020)

          O gráfico 8 indica o saldo da sindicalização e mostra o tamanho da queda ano a ano desde 2014 no país. Segundo a coordenadora da pesquisa, não há uma causa única para esta queda, mas provavelmente concorreram para o fato a redução das garantias previdenciárias e trabalhistas provocadas pela assim chamada reforma trabalhista, a precarização dos contratos de trabalho e o desemprego elevado, aumentando a informalidade e prejudicando o poder de barganha dos trabalhadores. 

Gráfico 8 – Trabalhadores sindicalizados no Brasil, por mil pessoas

Fonte: PNAD Contínua, 2019. Elaborado pelos autores

          Esta queda na sindicalização foi praticamente generalizada e, de fato, intensifica-se entre os anos de 2017 e 2018, como mostra o gráfico 9,  mais uma vez sugerindo que a reforma trabalhista provavelmente teve um efeito sobre a queda na sindicalização. 

Gráfico 9 – Taxa de sindicalização nos grupamentos de atividades acima de 10%

Fonte: Agência IBGE Notícias, 2020. 

          Como já demonstrado em nota publicada pelo Observatório em agosto do ano passado, as pesquisas cada vez mais demonstram que há relação entre o número de trabalhadores sindicalizados e a desigualdade social, ou seja, é possível vislumbrar o impacto da união dos trabalhadores na distribuição mais equitativa da remuneração do trabalho. A maior proporção de sindicalização dos trabalhadores tem efeito direto no aumento da participação da renda do trabalho e na diminuição das desigualdades socioeconômicas. Isto acontece, em grande medida, porque o poder de negociação dos trabalhadores frente às empresas nos conflitos distributivos aumenta. Além disso, a maior mobilização dos trabalhadores, liderados pelos seus sindicatos, pressiona os governos que se veem obrigados a colocar em suas agendas políticas públicas para aumentar a oferta de bens e serviços públicos que melhorem a vida da população, principalmente, dos assalariados, desempregados e subempregados. Neste sentido, os dados do Brasil são preocupantes. Para os sindicatos, a perda de filiados implica perda de poder de mobilização e negociação. E para os trabalhadores, a falta de um sindicato com alto poder de mobilização implica menor capacidade de negociações salariais e reposição de perdas decorrentes da inflação e do desemprego. E diminui a capacidade de influenciar a agenda pública e em negociar políticas que impeçam ou mitiguem a perda de direitos trabalhistas e previdenciários de propor alternativas que distribuam de maneira mais equilibrada os custos e benefícios de políticas e ajustes econômicos, o que acaba resultando na deterioração da qualidade de vida e consequente diminuição da sindicalização. Ou seja, instala-se um círculo vicioso de perdas para os trabalhadores e ampliação da desigualdade (SARAIVA; LAZZAROTTI, 2020). 

          Em síntese, este texto argumentou que a Reforma Trabalhista não alcançou os objetivos almejados, ou seja, não trouxe a retomada do crescimento econômico ou a geração de empregos formais, conforme o prometido. De outro lado, houve uma flexibilização da jornada de trabalho com um aumento na quantidade de indivíduos que trabalham horas semanais fora da jornada padrão, bem como houve um aumento da informalidade. Além disso, observou-se que a Reforma levou a uma diminuição de casos ajuizados na Justiça do Trabalho e também individualizou os riscos e colocou os trabalhadores em uma posição de vulnerabilidade quando permitiu a negociação individual entre os trabalhadores e os empregadores. Portanto, ao dificultar o acesso dos trabalhadores tanto ao assalariamento seguro quanto aos dispositivos normativos de direito ao trabalho, a Reforma Trabalhista contribui para a desconstrução dos direitos sociais e para o enfraquecimento dos instrumentos de proteção social. 

          A desigualdade social é um emaranhado em que se misturam fios muito variados. Mas, nesta trama, destaca-se como a distribuição de poder entre os diferentes grupos condiciona a forma como se distribuem também condições materiais, riqueza e oportunidades. Mudanças na maneira como são reguladas as relações entre capital e trabalho, empregadores e empregados não afetam somente crescimento econômico, eficiência e arrecadação: elas redistribuem riscos, poder e capacidade de negociação entre estes segmentos; nos casos recentes, em desfavor dos trabalhadores. Cenário este que só pode ser revertido com a reinvenção das bases e das estratégias de organização dos trabalhadores e com a ampliação da participação social e política em outras organizações e movimentos sociais (SARAIVA; LAZZAROTTI, 2020). 

 

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON-MG

 

Referências 

AGÊNCIA IBGE Notícias. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua): Indicadores mensais produzidos com informações do trimestre móvel terminado em fevereiro de 2021. 96 slides. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/535fcbbf69bf3b10fda98a2afbb6e61f.pdf>. Acesso em: 06/05/2021.

AGÊNCIA IBGE Notícias. Taxa de sindicalização cai a 11,2% em 2019, influenciada pelo setor público. 26 ago. 2020. Censo 2021. Disponível em: <https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/28667-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-11-2-em-2019-influenciada-pelo-setor-publico.html#:~:text=corrobora%20esses%20resultados.-,A%20taxa%20de%20sindicaliza%C3%A7%C3%A3o%20dos%20empregados%20no%20setor%20p%C3%BAblico%20caiu,5%25%20de%202018%20para%202019.>. Acesso em: 03 mai. 2021

BONFIM, Mariana. Nova CLT completa um ano: reforma trabalhista não cria empregos prometidos, e informalidade cresce.  UOL. 2018. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/apos-um-ano-reforma-trabalhista-nao-criou-empregos-prometidos-e-informalidade-cresceu/index.htm#cover>. Acesso em: 03 mai. 2021.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Componentes privados da demanda agregada em ciclos de retomada da atividade econômica. In:  Relatório de Inflação. V.20. n.2. p. 29- 31. Brasília, jun. 2018. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2018/06/ri201806P.pdf>. 

COLOMBI, Ana, Paula Fregnani; KREIN, José Dari. A Reforma Trabalhista em foco: desconstrução da proteção social em tempos de neoliberalismo autoritário. Educ. Soc. vol. 40, Campinas, 2019.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p. 

KREIN, José Dari; FILGUEIRAS, Vitor Araújo; OLIVEIRA, Roberto Véras de;. Reforma Trabalhista no Brasil: Promessas e realidade.  Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2019, 222 p.

PERUCHETTI, Paulo; MARTINS, Thiago; DUQUE, Daniel. Mercado de trabalho no Brasil ainda continua muito fragilizado: Uma análise a partir dos dados mensalizados da Pnad Contínua. Blog do IBRE. Rio de Janeiro, 22 abr. 2021.

SARAIVA, Ágnez; LAZZAROTTI, Bruno. Desfiando a manhã e o emaranhado da desigualdade: A queda na sindicalização no Brasil e porque isto é uma má notícia. Observatório das Desigualdades. Belo Horizonte, 31 ago. 2020.

Deixe um comentário