As desigualdades e a política possuem complexas relações. Quanto maior e mais heterogênea a participação política da sociedade – principalmente dos grupos marginalizados – menor a desigualdade no país, uma vez que as minorias conseguem inserir na agenda governamental pautas que abarcam seus interesses. Quando não há representatividade política igualitária, forma-se um ciclo vicioso em que as desigualdades sociais propiciam desigualdades políticas. Essas, por sua vez, contribuem para a manutenção das desigualdades sociais ao reproduzir mecanismos de segregação. Um estudo elaborado por Florence Jaumont e Carolina Buitron, em 2015, demonstra que a desigualdade de renda é inversamente proporcional à organização sindical em diversos países. Dessa forma, é importante que todos os que são subordinados a um sistema normativo tenham o mesmo direito à participação em sua construção (COSTA et al., 2020).

A desigualdade política se dá tanto por elementos internos das instituições estatais, como barreiras para a participação política, quanto por elementos associados às desigualdades socioeconômicas e aos diversos preconceitos. O Brasil conta com a existência insuficiente de aparato legal nesse sentido, assegurando uma igualdade política estritamente formal. Porém, o país tem avançado na inovação e na incorporação política ao implementar medidas como conferências e conselhos de políticas públicas, além de orçamentos participativos.

Contudo, é necessário ter a dimensão de que a presença de um indivíduo que se encaixa em determinado grupo social não significa, necessariamente, a valorização de medidas que advogam em favor dessas pessoas, uma vez que esse fator pode ser algo que entra em segundo plano, em termos identitários. Esse cenário pode ser observado no crescente número de candidatos negros, pobres e/ou mulheres por partidos de extrema direita no Brasil, majoritariamente contrários ao reconhecimento de suas demandas. Do mesmo modo, existem pessoas heterossexuais que defendem os direitos LGBTQIAPN+, por exemplo, ou idosos que aceitam medidas que são conservadoras na proteção à velhice.

Por mais que não exista uma relação intrínseca entre as características dos políticos e as posições que assumem, a representatividade ainda é algo a se prezar. Estudos mostram que mulheres alocam mais capital para bens públicos que melhoram a qualidade de vida do público feminino, além de investirem mais nas áreas de saúde e educação do que homens que ocupam cargos de poder. Ainda, a ocupação minoritária nesses espaços impactam positivamente as expectativas da juventude, encorajando a participação política em variados aspectos (FERRAZ, 2018 apud COSTA et al., 2020).

Dalton (2017 apud COSTA et al., 2020), aponta que quanto mais acentuada é a desigualdade socioeconômica de um país, mais a elite política apresenta resistência à inclusão de outros setores, por medo de políticas redistributivas mais robustas. Historicamente, o Brasil possui uma desigualdade política originária da maneira como o Estado foi progredindo na atribuição de direitos políticos aos diferentes grupos sociais. A título de exemplo, foi somente com a Constituição Federal de 1988 que os indivíduos analfabetos conquistaram o direito ao voto, porém, não poderiam ser votados.

Outro fator que merece atenção no âmbito da participação política é o dos recursos de campanha. Homens brancos, que representam a parcela populacional mais abastada, saem ganhando nesse aspecto. Todavia, as mulheres e os negros são os mais prejudicados. A renda escassa desses grupos faz com que seja prioritária a ocupação de seu tempo com atividades remuneratórias, o que subjuga a participação em atividades políticas. Além disso, o menor acesso à escolaridade e letramento digital das minorias em questão aumenta a dificuldade na mobilização de meios de tecnologia e informação com a finalidade de alcançar público e disseminar pautas estratégicas.

Ainda, em agosto de 2024 foi aprovada a Emenda Constitucional (PEC) 09/2023, chamada popularmente de “PEC da Anistia”, que estipulou um piso de 30% de distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha (FFC) para as candidaturas negras. De acordo com uma projeção feita pela iniciativa Pacto pela Democracia, as candidaturas negras sofreram uma diminuição orçamentária de R$1,1 bilhão nas eleições de 2024 (INESC, 2024).

 

O perfil dos eleitos em 2024 e as desigualdades políticas

O Brasil assistiu, no dia 6 de outubro, as eleições municipais em primeiro turno. Estudo realizado pelo site Gênero e Número, utilizando dados coletados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indicou que 57% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são homens cis brancos, em perspectiva nacional. Entre 5.457 eleitos, apenas 4% são mulheres cis negras. Comparativamente, no primeiro turno das eleições municipais de 2020, 59% dos prefeitos eleitos eram homens brancos e 4% eram mulheres cis negras. Nesse sentido, vê-se que a proporção se manteve praticamente inalterada, conforme é possível observar nos gráficos 1 e 2.

 

Gráfico 1: Raça e gênero de prefeitos eleitos no 1º turno – Brasil 2020

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria

 

Gráfico 2: Raça e gênero de prefeitos eleitos no 1º turno – Brasil 2024

Fonte: Gênero e Número, 2024

 

No âmbito dos candidatos à prefeitura no 2º turno, o cenário se repete. Dos 104 candidatos autodeclarados, 66% são homens cis brancos e somente 5% são mulheres cis negras, de acordo com o gráfico 3.

 

Gráfico 3: Raça e gênero de candidatos candidatos à prefeitura no 2º turno – Brasil 2024

Fonte: Gênero e Número, 2024

 

No tocante ao perfil das candidaturas gerais para o cargo de prefeito nas eleições de 2024, percebe-se que a discrepância em relação à gênero e cor/raça também é relevante. 53% dos candidatos à prefeitura são homens brancos, ao passo que 6% são mulheres negras. Dessa forma, é notável que o problema da pouca representatividade está firmado em questões fundamentais para a consideração da atividade política pelas minorias, e não somente uma questão de afinidade dos eleitores. A tabela 1 contém os dados detalhados.

 

Tabela 1 – Cor/raça e gênero em relação ao total de candidaturas ao cargo – Brasil 2024

Fonte: Inesc; Common Data

 

Em Minas Gerais, o cenário não é diferente. Cerca de 64% dos prefeitos eleitos no primeiro turno em 2020 eram homens brancos, ao passo que apenas 2% eram mulheres negras. Nas eleições municipais de 2024, os homens brancos continuaram figurando a maior proporção e as mulheres negras a menor, concordante com os dados dos gráficos 4 e 5.

 

Gráfico 4: Raça e gênero de prefeitos eleitos no 1º turno – Minas Gerais 2020

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria 

 

Gráfico 5: Raça e gênero de prefeitos eleitos no 1º turno – Minas Gerais 2024

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria 

 

Ainda no Estado mineiro, a análise acerca das candidaturas ao segundo turno em 2024 carece de informações, uma vez que o site do TSE dispõe de dados relativos à apenas 4 candidatos à prefeitura, a maioria homens autodeclarados cis e brancos.

Em ritmo de conclusão, nota-se que apenas democracias dotadas de espaços de organização e participação social e política transversais são capazes de prezar pelas demandas e necessidades dos atores sociais. Esse – ainda – não é o caso brasileiro e, em menor escala, mineiro, uma vez que é notável a sub-representação de mulheres e negros na área política. Assim, recursos institucionais são essenciais para que essas pessoas estejam presentes na agenda governamental, por meio de mecanismos como piso mínimo e proporcionalidade de financiamento público às candidaturas.

 

Nota sobre os gráficos

No campo de raça dos candidatos, as variáveis “preta” e “parda” foram condensadas em “negra”.

 

Autora: Beatriz Acácio, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti.

 

 

 

 

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

 

Referências 

ROCHA, D; SACAGAMI, V. 57% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são homens cis brancos.Gênero e Número, 2024. Disponível em: <https://www.generonumero.media/reportagens/prefeitura-2024-1-turno/>. Acesso em: out. 2024.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatísticas eleitorais. Disponível em: <https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao/home>. Acesso em: out. 2024.

COSTA, B et al. Política, participação, desigualdade, e o que podemos fazer a respeito. Observatório das Desigualdades, boletim nº 10, 2024. Disponível em: <https://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Boletim-n%C2%BA10-Desigualdade-Pol%C3%ADtica2-1.pdf>. Acesso em: out. 2024.

INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Perfil do poder: eleições 2024, 2024. Disponível em: <https://inesc.org.br/eleicoes-2024-perfil-das-candidaturas/>.

 

 

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