Gráfico: Número de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90, US$ 3,20 e US$ 5,50 diários – Brasil (2001/2018)
Fonte: Banco Mundial. Elaboração: Folha de S. Paulo (04/04/2020)
O Brasil apresentou, pelo quarto ano consecutivo (2014 a 2018), aumento no número de pessoas em situação de miséria, conforme dados do Banco Mundial publicados pela Folha de S. Paulo no dia 04 de abril deste ano. Entre os 15 países da América Latina analisados, além do Brasil, apenas Equador, Honduras e Argentina amargaram piora no indicador no período.
O valor de US$ 1,90 diários per capita em Paridade de Poder de Compra – PPC é, atualmente, o limite estabelecido pelo Banco Mundial para a definição da pobreza global, sendo indicado, portanto, como a linha de extrema pobreza ou miséria (cerca de R$ 150,00 mensais). O gráfico acima mostra que o número de pessoas vivendo nesta condição passou de 9,25 milhões, em 2017, para 9,3 milhões, em 2018. Entre 2014 e 2018, o crescimento foi de 67% no Brasil.
O gráfico também mostra a série histórica brasileira para outros dois parâmetros utilizados pelo Banco Mundial para delimitação da pobreza. Considerando uma renda individual inferior a US$ 3,20 por dia (cerca de R$ 253 mensais), que é utilizada como linha de pobreza em países com rendimento médio-baixo, também houve uma piora no cenário brasileiro: em 2017, havia 19 milhões de brasileiros vivendo abaixo dessa marca, e, em 2018, o número subiu para 19,2 milhões. Nesse caso, também foram registrados quatro anos seguidos de deterioração e o crescimento entre 2014 e 2018 foi de 34%.
Por fim, em uma terceira métrica — a de pessoas que recebem menos de US$ 5,50 por dia (renda de R$ 434 mensais)—, usada pelo Banco Mundial para países com rendimento médio-alto, entre os quais se encontra o Brasil, a pobreza teve uma ligeira queda, marcando uma reversão da tendência de crescimento iniciada em 2015. A quantidade de pessoas vivendo abaixo dessa linha recuou de 42,3 milhões para 41,7 milhões, entre 2017 e 2018. Porém, considerando o período entre 2014 e 2018, o aumento foi de 16%.
A diferença nas trajetórias entre pobreza e miséria revela que os extremamente pobres foram ainda mais atingidos pela crise iniciada no segundo semestre de 2014 do que os pobres. Segundo Liliana Sousa, economista do Banco Mundial, “há diferenças importantes entre essas duas populações. Entre os extremamente pobres, 40% vivem na zona rural, e só um terço dessas famílias têm alguma renda do trabalho”. Já os que vivem com menos de US$ 5,50 por dia moram majoritariamente na zona urbana e 80% têm renda do trabalho, embora apenas 25% estejam empregados no setor formal.
Ainda, merece atenção especial os cortes no Programa Bolsa Família. Em termos líquidos, cerca de 1,1 milhões de famílias foram desligadas do programa entre maio de 2019 e janeiro de 2020, acarretando no surgimento de uma fila que chegou recentemente a 1 milhão de famílias. O programa é focalizado em crianças e famílias abaixo das linhas de extrema pobreza e pobreza, de forma que os cortes realizados levaram à perda de bem-estar e ao crescimento no contingente de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade social.
Mais recentemente, com a crise de saúde causada pela pandemia do novo Coronavírus, o risco é que a miséria se aprofunde ainda mais e a pobreza no Brasil volte a aumentar. Isso porque os mais pobres sofrem mais com a crise por serem mais dependentes do trabalho informal, para o qual não há a opção de home office, de forma que as medidas de distanciamento social implicam a falta de recursos imediatos. Também, o isolamento social passou a significar fome para muitas crianças da periferia, acostumadas com até cinco refeições por dia na escola — hoje paralisadas devido à quarentena. Além disso, as comunidades, aglomerados e favelas sofrem da falta de saneamento básico e moradias adequadas, o que dificulta o acesso às medidas de higiene necessárias para evitar a contaminação.
As medidas de isolamento social, contudo, foram muito mais ágeis que as ações de auxílio aos pobres no Brasil. As medidas anunciadas pelo governo para expandir o programa Bolsa Família e garantir transferências diretas de renda para trabalhadores informais e autônomos são essenciais para garantir a sobrevivência dos mais pobres durante a pandemia e ainda estão sendo implementadas no país.
Além da extrema pobreza, a desigualdade de renda também cresceu em 2018 e, conforme apontam os especialistas, continuará a aumentar com a crise do Coronavírus, tendo em vista que os mais ricos não apenas sentem menos os efeitos da crise, mas também dispõem de capacidade de recuperação bem mais rápida que os mais pobres[1]. Assim, segundo analistas, a crise atual acentuará a discussão sobre a desigualdade de renda e a necessidade de adoção de mecanismos de proteção social aos mais pobres, considerando, principalmente, parte significativa da população que vive na informalidade, trabalho geralmente mais precário e menos protegido.
[1] Em outra oportunidade, comparamos os diferentes efeitos da crise econômica de 2015/2016 para ricos e pobres, mostrando que os 10% mais ricos, no primeiro trimestre de 2019, já acumulavam um aumento de 3,3% de renda do trabalho, ou seja, além de superar as perdas, já ganhavam mais que antes da recessão. Acesse esta publicação em: http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=666.
Fontes:
Extrema pobreza aumenta e pode piorar com Coronavírus. Publicada na Folha de S. Paulo em 04/04/2020. Disponível em:
Quarentena em São Paulo reduz dieta de crianças na periferia a arroz. Publicada na Folha de S. Paulo em 05/04/2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/quarentena-em-sao-paulo-reduz-dieta-de-criancas-na-periferia-a-arroz.shtml
Os dados do Banco Mundial encontram-se disponíveis em: https://datos.bancomundial.org/indicador/SI.POV.GAPS?view=chart
Autora: Luísa Filizzola, graduanda em Administração Pública na Fundação João Pinheiro, sob a orientação de Bruno Lazzarotti, pesquisador na Fundação João Pinheiro.