Nos posts anteriores, vimos a trajetória brasileira nas áreas de saúde, de educaçãoe de violências sofridas pelas crianças e pelos adolescentes desde a promulgação do ECA. Agora, vamos tratar sobre a pobreza da infância extrapolando a abordagem sobre a renda, a partir da perspectiva proposta pela UNICEF no relatório “Pobreza na Infância e na Adolescência: um fenômeno com múltiplas dimensões”. Estão incluídas na análise, além da renda familiar, o acesso àinformação, à moradia e a proteção contra o trabalho infantil, além de o acesso ao saneamento, à educação e à água, já abordados nas outras notas desta série.

De acordo com a PNAD, 34,4% das crianças e adolescentes brasileiros eram pobres do ponto de vista monetário em 2015 – 11,2% exclusivamente em relação à renda familiar, e 23,2% submetidos a outras privações simultâneas. Ainda, 26,6% das crianças não eram consideradas pobres monetariamente, mas possuíam uma ou mais privações em relação às outras dimensões, como ilustra o gráfico abaixo:

Pnad 2015.

 

Nota-se que quase a metade dessa população, que equivale a aproximadamente 27 milhões de crianças e adolescentes,possui alguma privação. Há ainda grupos que são principalmente afetados, fato que demonstra como as desigualdades se perpetuam e se cristalizam na nossa sociedade. Se tomados separadamente, entre os moradores das zonas rurais com até 17 anos, 87,5% não tem todos os direitos garantidos. Entre os nortistas, este número é de 75,1%, e entre os nordestinos, 63,4%. Também, como apontado no relatório “Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil”: “uma menina ou um menino negro tem uma probabilidade 1,5 vez maior de estar em situação de pobreza do que uma menina ou um menino branco”.

Como dito, são muitos os direitos considerados nessas estatísticas, mas podemos pensarem alguns isoladamente, como o direito à informação, à preservação frente ao trabalho infantil e à moradia. Considerando o acesso à internet como indicador de acesso à informação, tem-se que 25,7% das crianças e adolescentes não acessaram a rede nos três meses anteriores à coleta da Pnad 2015. De forma mais ampla, 500 mil meninas e meninosnão possuíam nenhum meio de comunicaçãoem casa em 2015 (rádio, televisão ou internet).Neste recorte, observou-se que crianças e adolescentes negros são 73% do total de meninas e meninos privados de informação.

Em relação ao trabalho infantil, tem-se que 6,2% das crianças e dos adolescentesexercem trabalho infantil domésticoou remunerado. Considerando a faixa-etária entre 5 a 9 anos, em quetrabalhar é ilegal, 3% trabalham, e entre 14 a 17 anos, 8,4% trabalham mais de20 horas semanais, que é o máximo permitido em lei. Sobre o direito de ter moradia, em 2015 11% das crianças e dos adolescentes viviam em casas cujos materiais eram inadequados e que mais de quatro pessoas dividiam um dormitório. Neste aspecto, sete em cada dez crianças afetadas é negra, principalmente moradoras das regiões norte e sudeste.

Até agora, pensando em um retrato da situação recente das crianças e dos adolescentes brasileiros, o cenário não é nada animador. Mas, se pensarmos na trajetória percorrida entre 2005 e 2015 nota-se a redução da pobreza infantil no Brasil, tanto em intensidade quanto em incidência. Uma das manifestações disso é a diminuição do número de crianças e adolescentes com privações simultâneas – entre 2011 e 2015, o total que acumulava todas as privações possíveis diminuiu em 85%.Sobre essa trajetória, os dados sobre a intensidade e a incidência de pobreza estão ilustradas nos gráficos abaixo, que indicam reduções sustentadas em quase todas as regiões em ambos períodos considerados:

O relatório aponta ainda que, em relação à dimensão monetária, entre 2005 e 2015 a pobreza da população com até 17 anos foi reduzida: em 2005, 55% da população de crianças e adolescentes eram considerados pobres pela ótica monetária, mas em 2015 este percentual foi de 34%. Entretanto, convém pontuar que em 2013 observa-se uma reversão dessa tendência, e este número volta a aumentar lentamente até 2015.

Assim, se fomos capazes de avançar na promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes, a prioridade à infância e adolescência e a perspectiva da proteção integral, institucionalizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente têm ainda um longo caminho pela frente e, principalmente têm que ser defendidas, ao mesmo tempo, como um valor e como um projeto para a sociedade. No caso do combate à pobreza, a atenção deve ser redobrada, já que as crianças são o grupo etário mais vulnerável à pobreza e também porque, nesta idade, mesmo privações temporárias podem comprometer o desenvolvimento e as oportunidades futuras das crianças.

 

Fontes:

Unicef. Pobreza na Infância e na adolescência. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/pobreza-na-infancia-e-na-adolescencia

Unicef. Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/bem-estar-e-privacoes-multiplas-na-infancia-e-na-adolescencia-no-brasil

 

Autora: Mariana Parreiras Candido [graduanda em Administração Pública na FJP], sob a orientação de Bruno Lazzarotti [pesquisador na FJP]

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