A percepção que os diferentes grupos têm sobre a estrutura social do país e sobre a posição que cada um ocupa nela pode ter efeitos importantes sobre o apoio ou resistência a medidas redistributivas, como impostos mais progressivos. E, no Brasil, esta percepção é bastante distorcida.

É o que mostra uma pesquisa da Oxfam Brasil, em conjunto com o Instituto Datafolha, sobre a percepção dos brasileiros sobre as desigualdades sociais. Esta é a segunda pesquisa desse tipo realizada pela Oxfam Brasil (a primeira publicada em 2017) e tem como proposta abrir discussões sobre a importância do papel do Estado no enfrentamento das desigualdades e contribuir para, a partir da percepção da sociedade, aprofundar o diálogo sobre a urgência em se construir um Brasil mais justo e solidário.

Podemos ver um dos resultados da pesquisa no gráfico acima: quando perguntados onde se localizam numa escala de 0 a 100, na qual 0 significa “muito pobre” e 100 significa “muito rico”, 85% dos brasileiros se colocam na metade mais pobre (0 a 50).

Segundo o relatório da Oxfam, “apesar de se tratar de uma oscilação positiva quando comparada aos níveis da primeira pesquisa de 2017 (na qual esse número foi de 88%), ainda é bastante distorcida a percepção da distribuição social. Além disso, o gráfico nos mostra que as maiores variações ocorreram nas “extremidades”: entre 2017 e 2019, caiu de 41% para 38% o contingente que se coloca entre 0 e 25, e subiu de 1% para 5% aqueles que se colocam entre 76 e 100. No geral, subiu de 12% para 16% aqueles que se colocam na metade mais rica do país.

A percepção de renda mínima para estar entre os 10% mais ricos também melhorou um pouco, mas continua bastante distante da realidade. Considerando os rendimentos individuais daqueles com algum rendimento, o valor mínimo para fazer parte dos 10% mais ricos do Brasil estava em 4,3 salários mínimos em 20178 – R$ 4.290 em valores atuais. Ou seja, as pessoas não se dão conta que com uma maioria da população na base da pirâmide e uma minoria concentrando renda, não é preciso muito para estar no topo das faixas de renda nacional.

Apenas 19% dos respondentes declararam valores inferiores a R$ 5.000 para estar entre os 10% mais ricos – um aumento em relação aos 15% que responderam o mesmo em 2017. Apesar disso, 65% dos respondentes acreditam que, para fazer parte do maior decil de renda, são necessários mais de R$ 5.000. Quase metade dos respondentes – 49% – acham que o mínimo seria de R$ 20.000, quase cinco vezes mais do que a realidade. Vale dizer que o maior decil de renda apresenta uma grande desigualdade interna, indo de R$4.290,00 a milhões de reais”.

Somado a isso, é curioso notarmos que entre os entrevistados com rendimento individual a partir de R$4.991,00 – e que, portanto, se encontram entre os 10% mais ricos do Brasil – 70% afirmou achar estar entre os 50% mais pobres e apenas 7% considera estar entres os 25% mais ricos.

A pesquisa também abordou a percepção dos brasileiros quanto à tributação e às políticas sociais no país. Nesse aspecto, é importante analisarmos o entendimento da parcela da população com rendimento individual acima de 5 salários mínimos para entendermos como a falta de conhecimento do brasileiro sobre o próprio posicionamento na pirâmide de renda afeta a implementação de políticas redistributivas no contexto nacional.

Vejamos: quando perguntado à essa parcela sobre a concordância com a afirmação de que “os governos devem aumentar os impostos para garantir melhor educação, mais saúde e mais moradia para os que precisam”, apenas 17% responderam concordar totalmente ou parcialmente. Porém, quando o mesmo público é questionado se  “o governo federal deve aumentar os impostos de pessoas muito ricas para garantir melhor educação, mais saúde e mais moradia para os que precisam”, o resultado é bem diverso, com 76% de concordância total ou parcial.

Essas distorções entre a percepção pública e a realidade da distribuição de renda no Brasil, muito fundada na ideia de que “os ricos são os outros”, têm efeitos político-econômicos importantes, como nos mostra a economista Laura Carvalho em sua coluna “A tribo perdedora”, publicada na Folha de S. Paulo em abril deste ano. Segundo a autora, se aqueles que se encontram no topo da pirâmide da distribuição de renda se consideram classe média, é natural que resistam a aumentos nas alíquotas de tributação da renda e do patrimônio, por exemplo. Dessa forma, a falta de conhecimento dessa parcela da população sobre sua posição privilegiada contribui para que o Estado brasileiro permaneça agindo como vetor adicional da concentração de renda, dificultando a redução das desigualdades abissais em nosso país.

Esse e os demais resultados e análises da pesquisa encontram-se no relatório “Nós e as Desigualdades”, disponível em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_nos_e_as_desigualdades_datafolha_2019.pdf

A coluna “A tribo perdedora”, de Laura Carvalho, publicada na Folha de S. Paulo em 25/04/2019, está disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2019/04/a-tribo-perdedora.shtml

           Autora: Luísa Filizzola Costa Lima [graduanda em Administração Pública na FJP], com coordenação de Bruno Lazzarotti Diniz Costa [professor e pesquisador – FJP]

Este post tem um comentário

  1. Cibele Bersan M. Pádua

    Realmente, impressionante como temos uma visão distorcida sobre nossa posição na pirâmide. Lamentável, como esse e outros tantos déficits de conhecimento nos coloca sempre na retaguarda. Lamentável, como o professor pode ser tal mal remunerado! Enfim, se queremos novos resultados ou outras consequências, temos rever nossas escolhas, já!

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