Hoje, dia 08 de março, é comemorado o Dia Internacional das Mulheres, data que carrega uma história que vai muito além de homenagens e flores às mulheres; é antes um símbolo e um chamado à longa luta feminina por respeito, dignidade e direitos humanos. A persistência das desigualdades de gênero, da violência, da baixa participação política, da vulnerabilidade social, da falta de oportunidades de trabalho e educação, entre outras violações de direitos, mostra a necessidade sempre atual de lutar pela conquista de novos direitos pelo cumprimento dos já conquistados.
A origem da data é equivocadamente associada a um suposto incêndio ocorrido em uma fábrica de tecidos no dia 08 de março de 1908 em Nova York, mas, apesar da história ser amplamente disseminada e aceita, não há registro documental do acontecimento nos Estados Unidos. O incêndio causado pelo proprietário da indústria teria acontecido durante uma greve de trabalhadoras por melhores condições de trabalho; contudo, o dia dia 08 de março foi um domingo, dia pouco usual para um movimento de greve¹. Essa versão, de acordo com González (2010)¹, se relaciona a outro incêndio, registrado na historiografia estadunidense, mas que ocorreu em 25 de março de 1911, após uma série de mobilizações de jovens operárias da indústria têxtil, em que morreram 125 mulheres e 21 homens².
A ideia e a criação da data originam, de fato, da mobilização do movimento operário feminino, sob a liderança de Clara Zetkin e Alexandra Kollontai, na Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910³. A discussão de causas das mulheres para além do movimento sufragista teve como fator fundamental a inclusão desse grupo nos movimentos políticos da classe trabalhadora, principalmente na Alemanha, com o protagonismo de Zetkin, defensora de direitos políticos e sociais para todas as mulheres, incluindo as trabalhadoras exploradas pelas péssimas condições de trabalho e baixos salários. Outra protagonista do movimento, Alexandra Kollontai, defendeu a criação do Dia das Mulheres tendo em vista a urgência da organização das trabalhadoras do sexo feminino para buscar leis que protegem o grupo, a segurança da maternidade e o fim do trabalho infantil. Kollontai (1913)4 também argumentou pela educação política das mulheres:
Quanto mais consciente for o lutador, mais certa será a vitória. E qual é a consciência da mulher que fica no fogão, que não tem direitos na sociedade, no governo, na família? Ela não tem seu próprio “pensamento”! Faz tudo como manda o pai ou marido…(KOLLONTAI, 1913)
A marca do dia 08 de março foi definida posteriormente devido a uma manifestação de mulheres russas em 1917 e oficializada em 1921, por Vladimir Lenin³. Nesse período, as mulheres trabalhadoras se organizavam em diversas partes do mundo por direitos trabalhistas e políticos, além do questionamento à posição de inferioridade do sexo feminino. No Brasil, as mulheres já se destacavam no movimento operário, na medida em que iniciaram a primeira greve geral do país, em junho de 1917, quando trabalhadoras de uma indústria têxtil se manifestaram em São Paulo por melhores condições de trabalho e por salários equiparados aos trabalhadores do sexo masculino³.
Essa luta, que remonta ao início do século XX – mas se conecta a distintas formas de resistência, tão antigas quanto a própria opressão – continua atual no Brasil do século XXI: além de enfrentarem o descumprimento e a ausência de direitos essenciais, as mulheres continuam recebendo salários inferiores aos do sexo masculino, de acordo com os dados representados no gráfico 1 (a despeito de serem, em média, mais escolarizadas do que os homens), e participando de forma menos expressiva na vida política em relação aos homens, como mostram os dados do gráfico 2.
Gráfico 1 – Rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos e razão de rendimentos
Fonte: Estatísticas de Gênero, IBGE, 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf> Acesso em: 07 mar 2022
Gráfico 2 – Composição do Congresso Nacional por gênero a partir do resultado das eleições de 2018
Fonte: Dados do Tribunal Superior Eleitoral e da Pnad Contínua 2019. Disponível em: <http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Boletim-n%C2%BA10-Desigualdade-Pol%C3%ADtica2-1.pdf> Acesso em: 07 mar 2022
Além da violência sexual e doméstica, da precariedade dos direitos sexuais e reprodutivos e do acesso à saúde e à educação, que são questões básicas ainda não resolvidas para a população feminina, a igualdade ainda não chegou à esfera política e à do trabalho, como buscavam as idealizadoras do Dia Internacional da Mulher. Nesse sentido, as mulheres ficam submetidas a uma estrutura machista tanto dentro de casa, quanto no mercado de trabalho, de modo que “a mulher é oprimida não só como vendedora da força de trabalho, mas também como mãe e mulher” (KOLLONTAI, 1913)4. O dia 08 de março, portanto, não deve ser entendido como uma data para homenagens e presentes, mas como uma retomada da luta histórica das mulheres por seus direitos políticos, sociais e trabalhistas.
Autor: Anna Clara Mattos, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti
*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.
Referências
¹GONZÁLEZ, Ana Isabel. As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2010. Disponível em: <https://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2010/03/Origens-Dia-Internacional-das-Mulheres-PAG-de-credito.pdf> Acesso em: 07 mar 2022
²BLAY, Eva. 8 de março: conquistas e controvérsias. Revista Estudos Feministas, 2001. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ref/a/zSfcjFQPyGjGDwpR53pQcxc/?format=html&lang=pt> Acesso em: 07 mar 2022
³MORAES, Maria Lygia. Dia Internacional da Mulher: entenda mais sobre essa data. Unifesp, 08 mar 2021. Disponível em: <https://sp.unifesp.br/epe/desm/noticias/dia-internacional-da-mulher-entenda-mais-sobre-essa-data> Acesso em: 07 mar 2022
4KOLLONTAI, Alexandra. O dia da mulher. Pravda, n. 40, v. 244, 17 fev 1913. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2017/03/08/aleksandra-kollontai-o-dia-da-mulher/> Acesso em: 07 mar 2022