“Menina, o mundo, a vida, tudo está aí! Nossa gente não tem conseguido quase nada. Todos aqueles que morreram sem se realizar, todos os negros escravizados de ontem, os supostamente livres de hoje, se libertam na vida de cada um de nós, que consegue viver, que consegue se realizar. A sua vida, menina, não pode ser só sua. Muitos vão se libertar, vão se realizar por meio de você. Os gemidos estão sempre presentes. É preciso ter os ouvidos, os olhos e o coração abertos.” (Becos da Memória, Conceição Evaristo)

Iniciando a série de posts da Semana da Consciência Negra, vamos trazer um pouco sobre a a luta educacional do movimento negro no Brasil e, também um panorama dos avanços e da persistência da desigualdade racial na educação no estado de Minas Gerais. Como defendia Paulo Freire, é por meio da educação que o homem se liberta da dependência e toma conhecimento da sua realidade, buscando transformá-la, ao mesmo tempo em que define sua posição frente ao mundo (OCAMPO LÓPEZ, 2008). Dessa forma, a educação permite não só a realização do indivíduo preto, além da sua emancipação como sujeito marginalizado na sociedade, mas também, a “libertação” de seus antepassados e do ciclo de apagamento desses sujeitos em uma sociedade racista.

  • Movimento Negro e Educação

Como coloca Gomes (2012), dentro do Movimento Negro, a educação sempre foi vista como um direito gradativamente conquistado e necessário para ter possibilidade de ascensão social; assim, é um tema que ocupa um espaço relevante na agenda das entidade negras desde o inicio de suas trajetórias. Logo após a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, a educação tornou-se instrumento da conquista de direitos iguais para os ex-escravos/libertos, que possuíam o sonho de vivenciarem a cidadania plena, pois a desigualdade de acesso a instituições de ensino e a porcentagem muito alta de analfabetos nessa parcela da população caracterizavam algumas das principais barreiras para sua inserção plena na sociedade. De fato, segundo a autora, existiam jornais da imprensa negra que conferiam em seus artigos grande importância à educação como forma de ocupar espaços na sociedade. “Várias matérias vinculavam a ideia da ascensão social do negro pela via da educação. Nesse sentido, é possível discutir o papel da imprensa negra como instrumento de luta dos negros frente à sociedade estabelecida” (GOMES, 2012). A associação Frente Negra Brasileira também possui papel importante na história da educação negra. Durante a década de 30, ela atuou como promotora da educação de seus membros, ao construir escolas e oferecer cursos de alfabetização de crianças, jovens e adultos. Como parte importante da dimensão educacional, essa associação preocupou-se também em desenvolver o lado da vida social, política e cultural da comunidade negra. Foi extinta em 1937, por Getúlio Vargas. Durante os anos 1940, 1950 e 1960, o movimento negro dedicou-se à luta pela inclusão dessa população na escola pública, incluindo a reivindicação de discussões sobre raça nos ambientes escolares. Na ditadura militar, ocorreu uma articulação de várias entidades do movimento negro contra a discriminação racial e o racismo da época, assim em 1979 é criado o Movimento Unificado Contra a Discriminação Étnico-Racial, atual Movimento Negro Unificado, que elegeu a educação um dos fatores importantes para o combate do racismo (GOMES, 2012).

Após a redemocratização do país, nos anos 1980, um número maior dos ativistas do movimento negro passaram a integrar o ambiente acadêmico, passando a produzir pesquisas a respeito “do racismo presente nas práticas e rituais escolares, analisaram estereótipos raciais nos livros didáticos, desenvolveram pedagogias e currículos específicos, com enfoque multirracial e popular”. Assim, retorna a defesa da inclusão de discussões raciais e que envolvem as origens e história dos negros no Brasil, inclusive surge a defesa da implementação de ações afirmativas, como forma de garantir o acesso igualitário a educação pela população negra. Em 1995, é realizado o “Programa para Superação do Racismo e da Desigualdade Étnico-Racial”, que consolidou a ideia da existência de ações afirmativas para a educação superior e o mercado de trabalho (GOMES, 2012).

Finalmente, em 2001 na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, o Estado brasileiro reconheceu a existencia do racismo institucional, firmando o compromisso de realizar ações para a superação dessa questão. “A partir dos anos 2000, o movimento negro intensificou ainda mais o processo de ressignificação e a politização da raça, levando a mudanças internas na estrutura do Estado […]. Além disso, várias universidades públicas passaram a adotar medidas de ações afirmativas como forma de acesso, em especial, as cotas raciais. Em 2003, foi sancionada a Lei n. 10.639, alterando os artigos 26-A e 79-B da LDB e tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio.” (GOMES, 2012).

  • Educação em Minas Gerais: avanços recentes e a persistência das desigualdades raciais

Tendo como base os resultados obtidos da pesquisa “Minas pela Igualdade”, desenvolvida pelo Observatório das Desigualdades da Fundação João Pinheiro, podemos descrever um panorama da realidade educacional no estado de Minas Gerais, a partir do ponto de vista das desigualdades raciais. De partida, em um nível mais agregado, de distribuição de infraestrutura, pode-se perceber que quanto maior for a concentração de pessoas negras em um determinado local, menor é a qualidade da infraestrutura escolar das escolas de ensino fundamental, no estado de Minas Gerais, com a análise do gráfico da Figura 1. Na figura podemos verificar que quanto mais branca é uma região, a partir dos dados de autodeclaração racial de 2010, melhor é a qualidade do espaço melhor equipada são as escolas estaduais de ensino médio, segundo dados de 2017. Uma escola com pior infraestrutura afeta a qualidade do ensino ao dificultar a atuação do professor e a permanência do aluno na escola. 

Figura 1 – Gráfico de dispersão entre percentual da população autodeclarada branca em 2010 e nível de infraestrutura escolar de escolas estaduais de ensino fundamental em 2017, por mesorregião

Fonte: Minas pela Igualdade, 2022

Essa diferença entre o nível de infraestrutura e a qualidade das escolas no estado tem como reflexo o nível da permanência e do desempenho dos alunos, como exposto na Figura 2, influenciado pela raça desse aluno. Ao longo do percurso escolar dos indivíduos, nas mesorregiões que possuem a maior parte de sua população não branca apresentaram pior desempenho dos alunos nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, quando comparadas as regiões majoritariamente brancas. Tanto a evasão, quanto a repetência tiveram maior percentual para as regiões com mais não brancos, entre os anos 2017 e 2019, assim como entre 2017-2018 e 2018-2019, os níveis de evasão escolar aumentaram em todos os anos do ensino fundamental e no ensino médio. 

Figura 2 – Fluxo Escolar nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, de 2017 para 2018 e de 2018 para 2019, por cor predominante da população em idade escolar nos municípios de Minas Gerais

Fonte: Minas pela Igualdade, 2022

A Figura 3 mostra a proficiência em Matemática dos alunos do 9° ano do Ensino Fundamental, em 2017 e 2019, dos municípios e das mesorregiões de Minas Gerais. Tanto em 2017, quanto em 2019 os alunos pretos e pardos possuem menor proficiência em matemática, quando comparados com os alunos brancos, com o mesmo nível de renda. Isso também se verifica nos municípios e mesorregiões de Minas Gerais. Em 2019, no nível municipal e regional, um aluno branco de nível socioeconômico baixo possuía maior proficiência em matemática que um aluno preto, independente do seu nível socioeconômico. A partir dos dados de 2017, que mostram a proficiência em matemática por sexo e cor, podemos observar que as mulheres pretas são as que possuem menor proeficiencia, entre todos os grupos analisados. 

Figura 3 – Proficiência em Matemática dos alunos do 9° ano do Ensino Fundamental, em 2017 e 2019, entre grupos de sexo e cor, por NSE das escolas estaduais, dos municípios e das mesorregiões de Minas Gerais.

Fonte: Minas pela Igualdade, 2022

  • Conclusão 

Dessa forma, pudemos perceber a importancia da educação dentro do Movimento Negro como um meio para a realização do individuo e a sua emancipação do lugar de oprimido dentro de uma sociedade racista, permitindo que ele conquiste a igualdade de direitos, vivenciando a plena cidadania exitente apenas no papel. Contudo, na realidade a discrepância da educação e do ambiente escolar vivenciada pelas pessoas negras e brancas é muito grande, visto que as escolas públicas que possuem como público majoritário pessoas negras costumam ser mais sucateadas e de menor qualidade, impactando no processo de aprendizado desse indivíduo e no seu futuro. Posto isso, essa desigualdade ainda presente no estado de Minas Gerais, em que a maioria da população negra não recebe a mesma qualidade de educação e infraestrutura escolar quando compara com uma pessoa branca, configura-se como mais uma barreira para a superação da subjugação do individuo negro como inferior dentro da sociedade.

 

Autores: Lorena Auarek, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Referências

GOMES, Nilma Lino. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, v. 33, p. 727-744, 2012.

Minas pela Igualdade. Desigualdades Educacionais em Minas Gerais. 2022

OCAMPO LÓPEZ, Javier. Paulo Freire y la pedagogía del oprimido. Revista historia de la educación latinoamericana, v. 10, p. 57-72, 2008.

Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Minas é destaque em Índice de Educação a Distância, segundo estudo da FGV, 2021. Disponivel em: <https://www2.educacao.mg.gov.br/component/gmg/story/11257-minas-e-destaque-em-indice-de-educacao-a-distancia-segundo-estudo-da-fgv#:~:text=O%20Regime%20de%20Estudo%20n%C3%A3o,27%20estados%20e%20nas%20capitais.> 

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