Não é segredo que as compulsões estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, principalmente dos jovens. A sociedade atual é marcada por um modo de relações consumistas e individualistas, em que o valor do indivíduo depende daquilo que pode consumir ou possuir. Dessa forma, os jovens acabam por cair nas garras da futilidade, uma vez que não possuem muito controle inibitório, associado a certa imaturidade afetiva e conflitos de identidade.

A cultura contemporânea, que produz um ambiente propício para o desenvolvimento de dependências, faz os jovens encontrarem nelas válvulas de escape, pois podem conferir a sensação de poder. Nessa perspectiva, Soares et al. (2019) coloca que, durante a adolescência – fase de grande vulnerabilidade comportamental – as pessoas buscam na adição conforto frente aos inúmeros questionamentos existenciais na busca pelo sentido de viver. Esse contexto caracteriza-se pela abrupta retirada da tranquila infância e colocação em um cenário de incertezas e grandes expectativas, porém ainda sem muita autonomia. Nesse período também há a necessidade de pertencimento, uma busca desenfreada por status que se relaciona bastante com o consumo de drogas – lícitas e ilícitas – pois confere ao indivíduo a posição de desinibido, corajoso. Algumas das principais compulsões atuais, para além dos clássicos abusos de álcool e cigarros tradicionais, são em cigarros eletrônicos, casas de apostas e internet.  

Porém, o que exatamente convenceu a “geração saúde”, que pratica mais esportes e busca hábitos saudáveis que as compulsões são cool? Se antes eram percebidos como coisas essencialmente feias e desagradáveis, hoje em dia se escondem por trás da glamourização. Em diversas cenas de filmes/séries, letras de músicas e até mesmo no comportamento dos artistas, as adições são retratadas como algo descolado ao inserir bebidas, cigarros eletrônicos e jogos de aposta em situações cotidianas que acabam normalizando o ato. O estilo musical funk, por exemplo, cultua um estilo de vida em que o álcool e as drogas são bastante celebrados e romantizados, o que desvia a atenção dos malefícios.

No âmbito do problema clássico de alcoolismo, em 2019 a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que o consumo de álcool entre adolescentes de 13 a 17 anos do 9º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas e privadas de todas as capitais do Brasil aumentou de 52,9% para 63,2% no período entre 2012 e 2019, um crescimento de 10,9% em 7 anos. Esse cenário é bastante perigoso, uma vez que o consumo dessa substância compromete a integridade física e mental do indivíduo desde cedo, acarretando consequências graves para a posterioridade. 

A indústria cada vez mais utiliza de ferramentas apelativas para atrair a atenção dos jovens. No caso dos cigarros eletrônicos, também conhecidos como “vapes” ou “pods”, por exemplo, as embalagens coloridas juntamente aos aromas de fruta conferem aos dispositivos um ar de inocência e descontração. Dessa forma, tendo de um lado os cigarros tradicionais que são pouco chamativos esteticamente, que possuem um cheiro desagradável e desde sempre foram condenados por seus malefícios, e tendo de outro cigarros eletrônicos que possuem características completamente contrárias, os jovens acabam optando pela segunda opção como menos prejudicial. Apesar de serem amplamente consumidos, são de venda proibida pela Anvisa desde 2009. A movimentação bilionária proveniente da comercialização acompanha o número de usuários: segundo o IPEC, o número de pessoas que usam cigarros eletrônicos quadruplicou durante o período de 2018 a 2022, no Brasil. O quantitativo passou de 500 mil para 2,2 milhões de pessoas.

Já no âmbito dos canais de aposta, temos o que pode-se chamar de uma glamourização do jogo do bicho. São inúmeras casas de apostas que atraem a atenção dos jovens devido ao fácil acesso, baixo requisito de aposta e ampla divulgação de famosos, a exemplo da bet365, a Betano e a Blaze. O célebre jogador de futebol Neymar, inclusive, é um dos grandes nomes que realiza publicidade para a Blaze em amplas plataformas como o Instagram. De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha, aproximadamente um terço (30%) das pessoas entre 16 e 24 anos afirmaram já terem apostado, no Brasil. Essa estatística é o dobro da média (15%) para todo o território. O gasto é algo realmente preocupante: mensalmente, a média entre os que apostam é de R$263,00, o que equivale a 20% do salário mínimo vigente no ano de 2023. Ainda, cerca de 50% dos apostadores relatam que mais perderam dinheiro do que ganharam.

No caso das redes sociais, a forma como o algoritmo opera é desenhado propositalmente para causar dependências. Segundo o ex-funcionário da empresa Google, Tristan Harris, “A compulsividade é projetada. Há engenheiros cujo único trabalho é entender como tomar a maior parte da atenção de alguém e fazer com que ela volte no dia seguinte”. Ainda, de acordo com o neurologista Adam Gazzaley, “O cérebro interpreta toda e qualquer mensagem, curtida e comentário como uma recompensa. A dopamina surge no centro de prazer do cérebro e muda a forma como a mente trabalha”. Dados de pesquisa realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostram que 74,4% dos adolescentes analisados abusam do tempo frente às telas, ou seja, cerca de três em cada quatro ultrapassam o limite de tempo diário de duas horas recomendado pela Academia Americana de Pediatria. Essa dependência é problemática justamente porque gera mudanças de comportamento ligadas à coordenação física, saúde mental, capacidade intelectual e desenvolvimento geral.

Concluindo, é de extrema importância refletir sobre como a mídia e a cultura impactam especificamente o comportamento dos jovens, uma vez que muitos hábitos construídos nessa idade são levados para toda a vida. Assim, é necessário perceber que por trás das compulsões mora a acumulação de riquezas de quem lucra com eles, como as empresas multimilionárias que comandam as casas de apostas e a comercialização de cigarros eletrônicos, ou os donos das grandes redes sociais. Tais atores, por meio de estratégias de marketing, incitam o desejo no imaginário coletivo, o que é muito mais fácil na atualidade devido às tecnologias de comunicação de massa. Com isso, diariamente milhares de pessoas são bombardeadas com conteúdos que abordam as práticas nocivas citadas, como positivas e glamourosas. Assim, é ainda mais essencial a reflexão crítica sobre o conteúdo que circula nas redes, principalmente por parte daqueles que ainda não desenvolveram um arcabouço cognitivo completo, ou seja, os jovens. 

 

Autoras: Beatriz Acácio e Clarice Miranda, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti

 

 

 

 

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

 

Referências

GABRIEL, J; SALDAÑA, P. Apostas esportivas atraem jovens e chegam a 15% da população, que diz gastar R$ 263 por mês, mostra Datafolha. Disponível em: <https://ipqhc.org.br/2024/01/13/apostas-esportivas-atraem-jovens-e-chegam-a-15-da-populacao-que-diz-gastar-r-263-por-mes-mostra-datafolha/>

MARACCINI, G. Vício em internet pode afetar comportamento e desenvolvimento de adolescentes. 2024. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/vicio-em-internet-pode-afetar-comportamento-e-desenvolvimento-de-adolescentes/>

BASSETTE, F. Maior tempo em frente às telas está associado à piora da dieta de adolescentes. 2024. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/maior-tempo-em-frente-as-telas-esta-associado-a-piora-da-dieta-de-adolescentes/>.

SOARES, F et al. Motivações do consumo de drogas entre adolescentes: implicações para o cuidado clínico de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03566. 2019.

PUC-SP. Jornal da PUC-SP. Alcoolismo entre jovens: quase 3% dos brasileiros com mais de 15 anos são alcoólatras. 2022. Disponível em: <https://j.pucsp.br/noticia/alcoolismo-entre-jovens-quase-3-dos-brasileiros-com-mais-de-15-anos-sao-alcoolatras#:~:text=O%20aumento%20foi%20maior%20entre,de%20crescimento%20entre%20os%20adolescentes.>

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