A população indígena e seus modos de vida representam uma dimensão fundamental da diversidade cultural brasileira. Desde os primeiros contatos com os povos originários, a história do país tem sido marcada por profundas transformações nas dinâmicas sociais e territoriais dessas comunidades. A colonização imposta pelos portugueses não apenas alterou drasticamente seus modos de vida, mas também resultou no genocídio de grande parte da população indígena, seja pela violência direta, seja pela disseminação de doenças, pela exploração forçada ou pela perda de seus territórios.
Apesar dos avanços legais na proteção dos povos indígenas assegurados pela Constituição de 1988, esses grupos ainda enfrentam discriminação e diversas formas de vulnerabilidade. Muitas vezes, são estereotipados como primitivos ou atrasados por não seguirem o modelo de vida capitalista. Além disso, seus territórios continuam ameaçados pelo desmatamento associado a atividades exploratórias. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, aproximadamente 423,3 km² de terras indígenas foram destruídos, forçando o deslocamento de milhares de pessoas, muitas das quais tiveram que se estabelecer em áreas urbanas, enfrentando desafios ainda maiores para a preservação de sua cultura e modos de vida.
Sob essa perspectiva, o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxe novos dados que ampliam a compreensão sobre o crescimento populacional, a distribuição territorial e as mudanças entre os povos indígenas. Com isso, a pesquisa revelou que no Brasil residem cerca de 1.693.535 indígenas, representando 0,83% da população total do país. Em comparação com o Censo Demográfico de 2010, que registrou 896.917 indígenas (0,47% da população brasileira na época), observou-se um crescimento expressivo de 88,82% no número de pessoas que se autodeclaram indígenas.
Onde Está a População Indigena no Brasil?
Ao analisar a população indígena por regiões, a Região Norte se destaca por abrigar 44,48% desse grupo, totalizando 753.357 pessoas. Em seguida, a Região Nordeste concentra 31,22%, com 528.800 indígenas. A Região Centro-Oeste aparece com 11,80% (199.912 pessoas), enquanto a Região Sudeste e a Região Sul possuem, respectivamente, 7,28% (123.369 pessoas) e 5,20% (88.097 pessoas). Juntas, as Regiões Norte e Nordeste representam 75,71% da população indígena residente no Brasil, evidenciando sua predominância no cenário nacional. Como pode ser observado no gráfico divulgado pelo IBGE:
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010/2022.
Sobre esses dados, a pesquisa revelou que a maior parte dos indígenas no Brasil, cerca de 867,9 mil pessoas (51,2%), vivem na Amazônia Legal. Essa região abrange todos os estados do Norte, além do Mato Grosso e parte do Maranhão, correspondendo a cerca de 59% do território brasileiro. Criada em 1953 para promover o desenvolvimento econômico e social, a Amazônia Legal é uma área importante para políticas públicas voltadas à preservação ambiental e à inclusão das populações tradicionais, incluindo os povos indígenas. É também a região com maior concentração de Terras Indígenas delimitadas, destacando sua importância na preservação das culturas e modos de vida dessa população.
Assim, a Terra Indígena Yanomami (AM/RR) apresenta o maior número de indígenas no país, totalizando 27.152 pessoas, o que equivale a 4,36% da população indígena residente em Terras Indígenas. Em seguida, destacam-se a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 indígenas, e a Terra Indígena Évare I (AM), que abriga 20.177 pessoas.
Fonte: IBGE Censo Demográfico 2022
A população indígena pode se encontrar em áreas rurais ou urbanas. Assim como em territórios delimitados como indígenas ou não. Sob essa ótica, em 2022, a maioria da população indígena, cerca de 53,97% (914.746 pessoas), vivia em áreas urbanas, enquanto 46,03% (780.090 pessoas) residiam em áreas rurais. Esse cenário representa uma mudança significativa em relação a 2010, quando 36,22% (324.834 pessoas) dos indígenas habitavam áreas urbanas e 63,78% (572.083 pessoas) estavam em áreas rurais. Nesse período, a população indígena em áreas urbanas registrou um crescimento expressivo de 181,6%, com um acréscimo de 589.912 pessoas. Tal realidade pode ser vista no gráfico divulgado pelo IBGE:
Fonte: IBGE Censo 2022
Sob essa ótica, ao se debruçar sobre a população indigena sob o recorte por domicílio, foi possível aferir que entre os 72,4 milhões de domicílios particulares no Brasil, 630.041 (0,87%) têm pelo menos um morador indígena. Sendo que 21,79% (137.256) estão em Terras Indígenas, enquanto 78,21% (492.785) estão fora das Terras Indígenas.
Mudança de Metodologia e Valorização da Identidade Indigena
Diante disso, o crescimento no número de indígenas em áreas urbanas e fora das Terras Indígenas pode ser explicado pela mudança metodológica implementada pelo IBGE no Censo de 2022. Tradicionalmente, a identificação de indígenas no Censo era feita quando um indivíduo respondia “indígena” à pergunta sobre sua cor. Entretanto, o instituto de pesquisa percebeu que muitas pessoas com ascendência indígena se identificavam como “pardas”.
Com isso, em 2022, os entrevistadores passaram a fazer a pergunta adicional “Você se considera indígena?” em áreas que, embora não fossem oficialmente Terras Indígenas, possuíam presença de povos originários. Essa mudança permitiu um reconhecimento mais amplo da identidade indígena em diversas localidades. Além disso, o IBGE destacou a realização de um extenso processo de consulta com lideranças e comunidades indígenas, garantindo maior precisão nos dados e promovendo uma compreensão mais detalhada da situação dessa população no Brasil.
Imagem: Carta Capital
Portanto, a mudança de perspectiva adotada pelo IBGE contribui para desconstruir estereótipos que associavam a população indígena unicamente a aldeias e lugares isolados. Ao ampliar o debate sobre identificação e cor, o Censo de 2022 proporcionou uma visão mais inclusiva e precisa da diversidade indígena no Brasil, permitindo um reconhecimento mais amplo da identidade indígena em contextos urbanos e não restritos às Terras Indígenas.
Juventude e Vulnerabilidades
Ao analisarmos a pirâmide etária da população indígena brasileira, alguns aspectos se destacam. A população indígena é significativamente mais jovem em comparação com a média nacional, refletindo a vulnerabilidade histórica e social a que esses povos estão submetidos. Entre os indígenas, 56,10% têm menos de 30 anos, enquanto no restante da população esse percentual é de apenas 42,07%. A idade média dos indígenas é de 25 anos, em contraste com os 35 anos da média nacional. Essa predominância da juventude é ainda mais evidente entre aqueles que vivem em Terras Indígenas, onde a idade média cai para apenas 19 anos, comparada a 30 anos entre os que residem fora dessas áreas. Com isso, pode-se inferir que esse perfil demográfico está diretamente ligado a fatores como menor expectativa de vida, dificuldades no acesso à políticas públicas, além dos impactos da marginalização e da perda de seus territórios tradicionais.
Sob essa ótica, o acesso limitado a serviços essenciais, como saúde e saneamento, contribui para altas taxas de mortalidade e uma expectativa de vida reduzida em relação à média nacional. Nas Terras Indígenas, a falta de infraestrutura adequada, incluindo água potável, estradas e assistência médica, é agravada pela atuação de grileiros e outros agentes econômicos que intensificam os conflitos pela posse da terra e exploração dos recursos naturais. Essas condições impactam diretamente a estrutura etária da população, dificultando a longevidade e resultando em uma predominância de indígenas jovens.
Outro fator a ser levado em consideração é a diferença na idade mediana entre indígenas que vivem em áreas urbanas e aqueles que residem em áreas rurais. Em 2022, a idade mediana da população indígena urbana e fora das Terras Indígenas era de 32 anos. Por outro lado, os indígenas que viviam em áreas rurais e dentro das Terras Indígenas apresentavam uma idade mediana de apenas 18 anos. Essa discrepância evidencia não apenas as diferenças no acesso a políticas e serviços entre os dois grupos, mas também os desafios enfrentados pelas comunidades em manter condições dignas em territórios rurais, onde problemas relacionados à infraestrutura impactam na qualidade de vida da população.
Diante disso, a pirâmide etária da população indígena apresenta um formato triangular com base mais larga, especialmente dentro das Terras Indígenas, evidenciando uma população predominantemente jovem.
Para Além do Censo Demográfico
O Censo de 2022 desempenha um papel fundamental na compreensão da composição da população indígena no Brasil, não apenas em termos quantitativos, mas também em relação ao modo de vida desse grupo. Os dados revelam a diversidade e a complexidade da realidade indígena, evidenciando a necessidade urgente de políticas públicas que sejam sensíveis e inclusivas. Garantir os direitos dos povos indígenas exige o reconhecimento de suas especificidades culturais, sociais e territoriais, bem como a promoção do acesso equitativo a serviços essenciais. Uma abordagem que respeite essa diversidade é indispensável para enfrentar as desigualdades estruturais e construir um futuro mais justo para as populações indígenas.
Referências:
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022: resultados sobre a população indígena. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/12345-censo-demografico-2022.html. Acesso em: 6 mar. 2025.
Autores:
Bruno Lazarroti e Clarice Miranda