“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.”
Darcy Ribeiro

No dia 13 de maio de 1988, era decretada a Lei Áurea, que fora responsável pela abolição legal da escravidão em território brasileiro mais de 300 anos após seu início na colonização portuguesa. Não obstante, atualmente, 135 anos após sua abolição, o trabalho análogo a escravidão se encontra presente no estado de Minas Gerais, ainda que não nos mesmos moldes de como era implementado no período pré-republicano, mas ainda subjugando centenas de vidas de trabalhadores a condições extremamente depreciativas enquanto realizam seu trabalho. Nesse cenário, Minas Gerais se destaca como o estado com maior incidência de trabalho análogo à escravidão no Brasil. Sua vasta extensão territorial e a presença de setores como mineração e agropecuária contribuem para a exploração desse tipo de trabalho. Infelizmente, a busca por lucro muitas vezes prevalece sobre os direitos humanos e a dignidade dos trabalhadores.

Segundo dados do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego)[1], o estado apresenta uma crescente de 37,8% no número de resgatados do trabalho análogo ao de escravo no ano de 2022 em comparação a 2021, sendo seus 1.070 resgates equivalentes a 41,7% do total brasileiro.

Gráfico 1 – O Trabalho análogo ao de escravo em 2022

Fonte: Folha de S.Paulo

É necessário compreender também o perfil demográfico das vítimas, segundo Lívia Miraglia (Coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais) [2], a parte norte do estado possui a maior concentração dos casos (31,6%), devido ao foco nas atividades de agropecuária, que requerem maior mão de obra, sendo que a maioria das vítimas resgatadas são mulheres negras, geralmente submetidos a trabalhos braçais em atividades relacionadas principalmente à cafeicultura e ao plantio de cana de açúcar.

De outra perspectiva, apesar de Minas Gerais possuir o terceiro maior contingente de fiscais do país, apresenta a maior efetividade de resgate em suas operações. Visto que há um número determinado de pessoas que se encontram nessas situações deploráveis de trabalho, o aumento da fiscalização em comunhão com certo rigor em seu exercício, é o melhor caminho no combate à essa situação crítica que assola nossa sociedade. Isso se enquadra no que afirma Maurício Krepsky, coordenador do GMóvel (Grupo Especial de Fiscalização Móvel) do MTE[1], em que, segundo ele, devido a alta demanda por mão de obra por parte de setores econômicos do estado que incluem o cultivo de café, cana de açúcar e carvoarias, “a percepção […] é que quanto mais denúncias são fiscalizadas, mais casos podem ser encontrados”.

Deve-se pontuar também que a conscientização desempenha um papel fundamental. É necessário difundir informações sobre os direitos dos trabalhadores e incentivar a denúncia, criando uma cultura de repúdio ao trabalho análogo à escravidão. A participação da sociedade civil, organizações não governamentais e instituições é essencial para promover mudanças significativas nesse cenário.

Além disso, é necessário combater as raízes históricas e estruturais desse problema, incluindo a discriminação racial e a desigualdade de oportunidades. Promover a inclusão social, a educação e a valorização dos direitos humanos são medidas cruciais para romper o ciclo de exploração e construir uma sociedade mais justa e equitativa. A abolição formal da escravatura foi um marco importante na história do Brasil, mas a luta pela liberdade e pelos direitos humanos ainda está em curso. É nosso dever coletivo continuar essa luta, garantindo que todos os indivíduos sejam tratados com dignidade, respeito e igualdade, independentemente de sua origem ou condição social, utilizando as políticas públicas e fiscalizando a implementação das leis trabalhistas, que são a principal arma social para que o Estado consiga assegurar o direito individual de cada um. 135 anos após a abolição da escravatura, é alarmante constatar que o trabalho análogo à escravidão persiste em Minas Gerais. No entanto, ao reconhecer essa realidade e unir esforços para combatê-la, podemos caminhar em direção a uma sociedade mais justa, igualitária e livre de exploração.

Autores: Estevão Matuck, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti.

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

Referências:
[1] AUGUSTO, Leonardo, 2023. Número de resgatados em trabalho análogo ao escravo em MG sobe 37,8% em 2022, disponível em: <https://folha.com/wksl9xtj>
[2] Pessoas negras do Norte de Minas são as maiores vítimas de trabalho análogo à escravidão. ALMG, 2023. Disponível em <https://www.almg.gov.br/comunicacao/noticias/arquivos/Pessoas-negras-do-Norte-de-Minas-sao-as-maiores-vitimas-de-trabalho-analogo-a-escravidao/>.
[3] Agência Câmara de Notícias, 2023. Comissão ouve procurador-geral do Trabalho sobre trabalho análogo à escravidão no RS e em MG disponível em <https://www.camara.leg.br/noticias/949198-comissao-ouve-procurador-geral-do-trabalho-sobre-trabalho-analogo-a-escravidao-no-rs-e-em-mg/>

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