O capítulo 4 do projeto “Minas pela Igualdade”, que em breve será disponibilizado, analisa a proteção social no cenário brasileiro, sendo que esse texto selecionou tópicos específicos dentro dos tratados pelo projeto para realizar uma pequena dissertação. Ao se considerar que o que se segue utilizou apenas de parte das informações disponibilizadas, recomenda-se a leitura de “Minas Pela Igualdade” para aqueles que se interessam por um panorama geral e análises com maior grau de profundidade.

Primeiramente, é importante realizar algumas conceituações relevantes. A primeira destas trata-se da diferenciação entre o conceito de “assistência social” e “proteção social”. Entende-se que a proteção social engloba a articulação de diversas áreas do Estado – como as responsáveis por saúde, educação e segurança – para a solução de problemas a longo prazo e de forma mais definitiva. Não obstante, a assistência social, que consiste em soluções de caráter mais imediato, faz parte da proteção social. Para ilustrar essa ideia, pode-se pensar em uma política de transferência de renda – assistência – articulada a uma política de profissionalização da população de baixa renda desempregada – proteção. 

Outros conceitos importantes, nesse caso com o objetivo de serem evitados, são os de assistencialismo, clientelismo e filantropia. O assistencialismo é definido como a realização de políticas “imediatas” que não são articuladas a políticas que buscam soluções a longo prazo, dessa forma, os direitos são, muitas vezes, vistos como “concessões”, “favores” ou “caridade”. O segundo conceito, clientelismo, se refere ao uso da assistência social ou mesmo da proteção social como uma “moeda de troca” – por exemplo, um governante candidato a reeleição que aumente muito a aposentadoria perto do período eleitoral sabendo da incapacidade de ser manter esse valor a longo prazo, ou seja, um governante que usa dos direitos da população para conseguir vantagens. Por fim, a filantropia não é, por definição, ruim: trata-se da articulação de entidades da sociedade civil com o objetivo de ajudar alguém ou apoiar uma causa. Geralmente, a filantropia está associada ao caráter “benevolente” de pessoas da classe alta. Contudo, quando esse viés é visto nas políticas estatais, torna-se negativo pois o Estado não faz caridade, o Estado garante direitos.

Realizadas as definições desses termos, é possível, então, estudar o impacto das políticas de transferência de renda no contexto da pobreza no Brasil. O gráfico 1 demonstra claramente um aumento da renda domiciliar per capita de 2012 a 2015, seguido por uma queda em 2016, possivelmente relacionada com a crise econômica desse ano, no entanto, a renda volta a subir até o ano de 2019.

Gráfico 1: Evolução da renda domiciliar per capita (Minas Gerais, 2012-2022)

Fonte: elaboração própria a partir de dados da PNAD-C (IBGE)

A pandemia foi economicamente desastrosa para a maioria dos países. O Gráfico 2 demonstra que, durante a pandemia, a taxa de pobreza mundial cresceu quase 9%. Tal fato é, definitivamente, relevante para se entender a grande queda da renda domiciliar per capita nos anos de 2020 e 2021. Não obstante, é notável um crescimento que ocorreu em 2022 relacionado ao programa Auxilio Brasil.

Gráfico 2: Número de pessoas vivendo em extrema pobreza no mundo (1990-2022)

Fonte: Our World in Data

O programa Auxílio Brasil trouxe algumas mudanças com relação ao Bolsa Família (antigo). Seu alcance conseguiu ser maior porque ampliou o número de pessoas consideradas pobres ou extremamente pobres (infográfico 1). No entanto, apesar de inicialmente positivo, há algumas questões a se considerar. A primeira delas se relaciona com uma enorme falha da administração Bolsonaro: em uma matéria do jornal O Globo, escrita por Fernanda Trisotto, se esclarece que 

Como o Bolsa Família pagava uma cesta de benefícios que dependiam da composição familiar, um adulto extremamente pobre poderia receber um pagamento básico, mas o repasse ampliava de acordo com a composição familiar. Ao estabelecer um pagamento mínimo, independentemente do número de famílias, o Auxílio Brasil acabou estimulando a divisão artificial de famílias. (…) A quantidade de pessoas que moram sozinhas e recebem a transferência de renda cresceu 172% sob a gestão Bolsonaro: saltou de 1,8 milhão no Bolsa Família para 4,9 milhões no Auxílio Brasil. Já o número de famílias beneficiadas com duas ou mais pessoas cresceu 25%: de 12,2 milhões para 15,3 milhões. (O GLOBO, 2022)

Dessa forma, a falta de atenção ao CadÚnico fez com que fraudes ocorressem com frequência: membros de uma família se registravam como famílias unipessoais para receber um valor maior.  Outra questão é uma incoerência política: o Auxílio Brasil ainda possuia as condicionalidades do Bolsa Família (antigo); “era preciso fazer acompanhamento de saúde na rede pública, manter a caderneta de vacinação das crianças atualizada e ter frequência escolar acima de 85%. (O GLOBO, 2022)”. As condicionalidades são de vital importância na ideia de mudanças a médio e longo prazo, por exemplo, a frequência escolar foi estabelecida como condicionalidade devido a ideia que pessoas com maior educação tem menor probabilidade de se encontrar em situação de pobreza ou extrema pobreza – o que é, na verdade, estatisticamente comprovado –  e também a ideia que as mulheres poderiam, assim, trabalhar tranquilas pois tem certeza de onde seus filhos estão. Esse é um aspecto deveras importante no Bolsa Família e no Auxílio Brasil, não obstante, os posicionamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a vacinação e a favor do home schooling são altamente incoerentes com esses paradigmas. 

Infográfico 1: comparação entre Auxílio Brasil e (antigo) Bolsa Família

Fonte: elaboração do G1  

Em 2023, o Governo Federal realizou, novamente, realizou mudanças no programa, que voltou a se chamar Bolsa Família. O valor máximo para a entrada no programa foi ampliado, abarcando ainda mais famílias. Nesse cenário, seria produtivo que novas pesquisas sejam realizadas, especialmente considerando que, por exemplo, em junho de 2023, o valor pago foi o maior da história: na média, as famílias receberam R$705,40 por família, segundo a Agência Brasil. 

Outro tópico relevante tratado pelo projeto “Minas Pela Igualdade” é a acessibilidade do CREAS. Duas entidades essenciais para a rede de proteção social são o CRAS – Centro De Referência da Assistência Social –  e o CREAS – Centros de Referência Especializados de Assistência Social. O CRAS realiza serviços de proteção básica e tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (Brasil, 2005, p. 33). Por um outro lado, o CREAS lida com situações de média a alta complexidade, ou seja, indivíduos cujo direitos já estão ameaçados ou já foram violados. Sob essa ótica, se entende que o CREAS é vital como parte da proteção social, pois lida com situações emergenciais, no entanto, “Nos documentos da Sedese (2022), existiam 253 unidades de CREAS em Minas Gerais em 2021, em 236 municípios – distribuídas entre as regionais conforme o gráfico anterior apresenta – o que representa 28% dos municípios do estado.”. Com esses dados, nota-se que a cobertura do CREAS deve ser ampliada. 

Por fim, cabe ressaltar que a pobreza atinge muito mais alguns grupos: mulheres, pessoas negras, comunidades tradicionais, crianças e idosos. Esses grupos devem estar no centro das políticas de proteção social. Ao se considerar isso, convém pontuar o impacto que o novo e o antigo Bolsa Família, assim como o Auxílio Brasil tiveram, por exemplo, na melhoria das condições de vida das mulheres negras. No entanto, é necessário fazer mais do que apenas transferir renda: a capacitação profissional, cotas, maior acesso a creches são apenas alguns exemplos de outras medidas importantes na luta contra o aspecto estrutural das desigualdades.

 

Autora: Alessandra Kadar, sob a orientação de Matheus Arcelo

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Auxílio Brasil X Bolsa Família: compare os programas. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/11/09/auxilio-brasil-x-bolsa-familia-compare-os-programas.ghtml>. Acesso em: 15 jul. 2023.

Bolsa Família paga valor extra e benefício é o maior da história. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-06/bolsa-familia-paga-valor-extra-e-beneficio-e-o-maior-da-historia>. Acesso em: 15 jul. 2023.

Governo publica medida provisória com regras do novo Bolsa Família. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/942301-governo-publica-medida-provisoria-com-regras-do-novo-bolsa-familia/>. Acesso em: 15 jul. 2023.

HASELL, J. et al. Poverty. Our World in Data, 2023.

Mais orçamento, menos foco: entenda as diferenças entre o Bolsa Família e Auxílio Brasil. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/11/mais-orcamento-menos-foco-entenda-as-diferencas-entre-o-bolsa-familia-e-auxilio-brasil.ghtml>. Acesso em: 15 jul. 2023.

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