À medida que a pandemia do Novo Coronavírus persiste e dados científicos se tornam disponíveis para a população, temos observado que a pandemia evidencia como as desigualdades socioeconômicas distribuem de maneira iníqua os riscos de saúde e os econômicos, bem como e as condições para enfrentar a emergência sanitária, em desfavor dos grupos já discriminados em outras dimensões, como os negros e moradores das favelas. Nós, do Observatório das Desigualdades, insistimos em um ponto básico: o combate à pandemia do Novo Coronavírus só será eficaz quando as políticas nacionais, estaduais e municipais de combate ao vírus considerarem as desigualdades socioeconômicas que sempre existiram na história do Brasil.

Os efeitos econômicos desproporcionais têm sido maiores ainda entre os 14 milhões de moradores de favelas, porque historicamente sofrem com a baixa escolaridade, taxas de desemprego mais altas, inserção precária no mercado de trabalho, baixo acesso à seguridade e salários mais baixos. Há algumas semanas, o “DATA Favela”, do Instituto Locomotiva, em sua pesquisa intitulada “Pandemia na Favela”, tem apontado como o COVID-19 está afetandode maneira mais grave os grupos mais vulneráveis.

Se observarmos o Gráfico 1, percebemos que cerca de 80% das famílias nas favelas perderam mais da metade da renda devido ao surto de Coronavírus. A situação se agrava quando percebemos que 66% dos moradores em favela não possuem reservas financeiras suficientes para cobrir as despesas em uma semana em casa sem trabalhar. E 76% dizem que durante a epidemia, em ao menos 1 dia, faltou dinheiro para comprar comida.

                                                                                 Gráfico 1 – Impacto do Coronavírus na Renda Familiar (em porcentagem)

Fonte: INSTITUTO LOCOMOTIVA & CUFA (p.32,2020)

 

Essas mesmas preocupações se estendem ao acesso desproporcional aos recursos do pacote de ajuda federal (Lei de nº 13.982/2020)aprovado em resposta ao COVID-19. Enquanto a população negra é a mais afetada economicamente em relação ao mercado de trabalho nesta pandemia, somente 74%, daqueles que pediram o Auxílio Emergencial tiveram o pedido liberado. Por outro lado, tiveram um sucesso maior, os 81% dos não negros na liberação do auxílio. Para os moradores de favela, a porcentagem de sucesso de aprovação do Auxilio Emergencial não chega a 60%. Estes dados correspondem a um indicativo muito importante que, em meio a pandemia, as ações de proteção social implementadas pelo Governo Federal perante a crise econômica não estão considerando as complexidades da desigualdade socioeconômica relacionadas à raça/etnia ou local de moradia no Brasil.

O “Data Favela” também aponta que, para a maioria das pessoas que vivem nas favelas, o Auxilio Emergencial é um benefício fundamental, não somente para a sua própria sobrevivência, mas também de familiares e amigos. No Gráfico 2, podemos notar que 96% e 88% daqueles que receberam o auxílio emergencial gastaram o dinheiro na compra de alimentos e produtos de higiene, itens fundamentais para se manter no isolamento social e enfrentar a pandemia. Por outro lado, a situação extremamente difícil enfrentada pelos mais vulneráveis não impede a solidariedade: cerca de 62% dos moradores de favela destinaram uma parte do valor recebido pelo Auxilio Emergencial para ajudar amigos e parentes. Isto evidencia que diante de uma dura realidade, os laços de solidariedade são fortalecidos e constituem um importante meio para reparar as injustiças sociais.

                                                            Gráfico 2 – Destinação, entre aqueles que receberam do Auxílio Emergencial (em porcentagem)

Fonte: INSTITUTO LOCOMOTIVA & CUFA (p.32,2020)

 

Além dos problemas econômicos agravados pela pandemia do Novo Coronavírus, as pessoas que residem em favelas podem ter a maior probabilidade de viver em áreas e residências mais densamente povoadas e com falta de saneamento básico. Em média, 60% das residências possuem no máximo 2 quartos e em metade delas vivem famílias extensas (4 ou mais pessoas) e multigeracionais (crianças, adultos e idosos convivendo no mesmo espaço). Desta forma, as condições precárias de vida podem tornar mais difíceis seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS): desde proteger os membros da família que estão no grupo de risco, até mesmo para se isolar daqueles que estão doentes num espaço pequeno.

É importante lembrar que o impacto econômico e na saúde (“As nada democráticas mortes por COVID-19 no Brasil”) desproporcional entre grupos raciais e étnicosresultam de iniquidades nas condições de vida, moradia e trabalho que persistem ao longo das gerações desde a Diáspora Negra. Portanto, precisamos que os Governos Federal, Estaduais e Municipais apoiem de forma substancial os grupos mais vulneráveis e duramente atingidos por essa pandemia.

Referências:

  • INSTITUTO LOCOMOTIVA & CUFA. “Pandemia na Favela: A Realidade de 14 milhões de Favelados no Combate ao Novo Coronavírus” . Junho de 2020.
  • TUON, L. “Negros Pediram Mais Auxílio Emergencial, MasBrancos Tiveram Maior Sucesso”. Revista Exame. Publicado em 18 de junho de 2020 no Portal Geledés. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/negros-pediram-mais-auxilio-emergencial-mas-brancos-tiveram-maior-sucesso/> Acesso em 28 de junho de 2020.

Autor: Fackson Henrique Eugênio Rocha [graduando em Administração Pública na FJP], sob a orientação de Bruno Lazzorotti [pesquisador na FJP]

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