Analisando essa cadeia hereditária

Quero me livrar dessa situação precária

Analisando essa cadeia hereditária

Quero me livrar dessa situação precária

Onde o rico cada vez fica mais rico

E o pobre cada vez fica mais pobre

E o motivo todo mundo já conhece

É que o de cima sobe e o de baixo desce

E o motivo todo mundo já conhece

E que o de cima sobe e o de baixo desce

(Xibom Bombom, As Meninas)

 

“Desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram suas fortunas. No mesmo período, quase cinco bilhões de pessoas em todo o planeta ficaram mais pobres”. Esse é o panorama da concentração de renda apontado pelo relatório Desigualdade S.A., recentemente divulgado pela Oxfam. A famosa música Xibom Bombom é cada vez mais uma dura realidade: o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre.

 

Para uns, um mundo maravilhoso

Mesmo com a crise ocasionada pela pandemia em 2020, o aumento da riqueza dos mais ricos e a concentração de renda foi pouco afetada nesse tempo que passou. Em 2023, a fortuna dos bilionários está cotada em 3,3 trilhões de dólares e eles estão 34% mais ricos do que eram em 2020. Entre os cinco homens mais ricos do mundo, esse aumento foi ainda mais expressivo, de 114%. Quando falamos de concentração de renda, os dados da pesquisa mostram que o 1% mais rico da população mundial possui 43% de todos os ativos financeiros globais.

 

Figura 1: Aumento da riqueza dos homens mais ricos do mundo

Fonte: Oxfam

 

A concentração de renda e de riqueza também segue recortes regionais. Enquanto tem apenas 20% da população mundial, o norte global tem 69% da riqueza global total. A maior parte dos bilionários e suas riquezas também se encontram nesta região.

 

Figura 2: Fatia da concentração de riqueza no Norte Global em comparação com o resto do mundo

Fonte: Oxfam

 

O aumento da riqueza e da concentração de renda está relacionado ao crescimento das grandes empresas e da formação de novos monopólios. A análise da Oxfam sobre as maiores empresas do mundo mostrou um salto de 89% nos lucros para os anos de 2021 e 2022, em comparação com a média de 2017-2020. Para essas grandes empresas e para os seus donos super-ricos a pandemia foi um pequeno percalço e a recuperação econômica já veio.

 

Figura 3: Lucros líquidos de 148 das 200 maiores empresas, em bilhões de dólares

Fonte: Oxfam

 

No atual contexto global, assiste-se ao emergir de grandes corporações ainda mais poderosas, de novos monopólios, que têm amplo poder econômico e capacidade de influência política.  Atualmente, as cinco maiores empresas do mundo, juntas, têm um valor maior do que o PIB combinado de todas as economias da África, da América Latina e do Caribe. A participação dos lucros de empresas multinacionais nos lucros empresariais também vem crescendo de forma acentuada desde o início do século. O poder dessas empresas cresce e sua influência também, sobre o mercado e sobre governos.

“Os monopólios impulsionam uma transferência de riqueza do trabalho para o capital em toda a economia – redistribuindo a renda disponível de muitos para poucos, na forma de ganhos de capital, dividendos e remunerações de executivos” (Oxfam, 2024, p.26)

 

Figura 4: Lucros empresariais e multinacionais entre 1975 e 2019

Fonte: Oxfam

 

Esse poderio de grandes empresas serve para alimentar as desigualdades de diferentes formas. Primeiro, quem é mais recompensado são os mais ricos, que são os proprietários e acionistas dessas grandes corporações e não os trabalhadores. Os lucros aumentam e os salários ficam defasados. A OIT mostra que a distância entre o crescimento dos salários e a produtividade do trabalho em 52 países em 2022 foi a mais elevada desde o início do século 21.

As desigualdades aumentam também através da piora dos serviços públicos. Primeiro, pela diminuição dos impostos pagos pelas empresas, por conta de alíquotas menores ou brechas legislativas, que ocasionam uma menor arrecadação e menores investimentos públicos. Segundo, pela privatização de serviços essenciais, que segrega o acesso da população a esses serviços, em troca dos lucros obtidos pelas empresas.

 

Para os governos, austeridade e para muitos, um mudo difícil

Para os governos sobram políticas de austeridade que impactam diretamente a provisão de bens e serviços públicos para a população. Eles não estão conseguindo se manter financeiramente diante da dívida crescente e do aumento dos custos de importação de produtos. Entre 2023 e 2029, os países de renda baixa e média-baixa deverão pagar quase meio bilhão de dólares por dia em juros e dívidas.

Mais da metade (57%) dos países mais pobres do mundo, onde vivem 2,4 bilhões de pessoas, estão tendo que reduzir os gastos públicos em um total combinado de 229 bilhões de dólares durante os próximos cinco anos. Esses cortes afetam de forma mais acentuada as população mais vulneráveis, que sentem mais a ausência da provisão pública de bens e serviços.

Enquanto uma minoria segue enriquecendo, a grande maioria foi muito afetada pelos últimos anos de crise. O aumento do preço dos alimentos e de outros bens e serviços essenciais pressionam de forma mais pesada a população mais pobre, que muitas vezes simplesmente deixa de consumir. Em 2023, 4,8 bilhões de pessoas estavam mais pobres do que em 2019.

A desigualdade afeta de forma mais acentuada alguns grupos populacionais. Quando falamos de desigualdade racial, o patrimônio de uma família negra comum nos EUA equivale a apenas 15,8% ao de uma família branca comum e no Brasil, em média, o rendimento dos brancos é mais de 70% superior à renda de pessoas negras. Quando falamos de desigualdade de gênero, os homens possuem 105 trilhões de dólares em patrimônio a mais do que as mulheres em termos globais.

Essa desigualdade é tão alta que levaria 1.200 anos para uma trabalhadora do setor de saúde ganhar o que um CEO de uma das 100 maiores empresas do mundo ganha em média por ano. A previsão é que o número de milionários aumente 44% entre 2023 e 2027 e, no ritmo dos últimos cinco anos, veremos o primeiro trilionário em 10 anos. Mas a pobreza não será eliminada antes de 230 anos. 

 

Qual o caminho?

É necessário o estabelecimento de metas e planos para a redução da desigualdade. Esse deve ser um esforço conjunto dos países, mas sobre tudo do norte global. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 10 deve ser colocado em prática e, no seu contexto, é necessário o desenvolvimento de indicadores para a redução das desigualdades 

É preciso também controlar o poder das grandes empresas através da regulação, tanto para pagamentos de salários justos, de igualdade de raça e gênero, quanto para coibir a formação de monopólios. Isso vem atrelado ao fortalecimento do Estado, com a provisão pública de bens e serviços essenciais e o fortalecimento de empresas públicas dessas áreas. É necessário também um aumento na tributação dos mais ricos, principalmente sobre lucros e dividendos

 

Autores: Alexandre Henrique, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti

 

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

 

Referências

DESIGUALDADE S.A.: Como o poder das grandes empresas divide o nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação pública. Oxfam. 2024. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/desigualdade-s-a/

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