Recentemente entrou em vigor a Lei nº 14.818/24 que institui uma poupança para estudantes matriculados na rede pública de Ensino Médio. Intitulado “Programa Pé-de-Meia”, o programa do governo federal visa fornecer um incentivo financeiro, na forma de depósitos em poupança com possibilidade de saques parciais mensais, para que os estudantes de famílias vulneráveis se matriculem e concluam o Ensino Médio.
Figura 1: Explicativo do Programa Pé-de-Meia
Fonte: MEC
Quando se fala do Ensino Médio, temos que retomar o contexto recente de ampliação desse nível de ensino, que se deu a partir da Lei de Diretrizes e Bases de Educação de 1996. Foi a partir dela que o Ensino Médio foi entendido como a última etapa da Educação Básica, em 2006 passou a contar com financiamento mais efetivo (pela inclusão no FUNDEB) e só a partir da Emenda Constitucional nº 59 de 2009 a Educação Básica passa a ser gratuita e obrigatória dos 4 aos 17 anos.
No entanto, o Ensino Médio ainda é um gargalo importante na trajetória escolar de nossos adolescentes e jovens. Conforme apontam Senkevics e Carvalho (2020) [1], desde 1995 existe um movimento de deslocamento das barreiras de escolarização para o ensino médio, “represando cerca de um quarto dos jovens” (Senkevics; Carvalho, 2020), que interrompem o estudo no nível médio. O programa“Pé de Meia” tem justamente o objetivo de promover a permanência e a conclusão escolar dos estudantes frente as taxas de retenção e evasão escolar que marcam o nível de ensino.
Esse abandono se dá, muitas vezes, para trabalhar, conforme indica a pesquisa do Todos pela Educação [2]. Entre as famílias mais pobres, principalmente, os jovens precisam desde cedo entrar no mundo do trabalho para colaborar com o sustento doméstico. Em outros casos, os estudantes abandonam o ensino médio e entram no mundo do trabalho buscando uma independência financeira e, em outros, por uma combinação dos dois motivos. Por isso, a ideia de incentivo financeiro é adotada em diferentes países [3], com muitas especificidades, e já foi adotada por entes subnacionais, como foi o caso do Poupança Jovem em Minas Gerais.
Os gráficos 1 e 2, que serão utilizados nas seções seguintes, ilustram como é a trajetória escolar dos jovens brasileiros, dividindo-a em três transições. O segundo, ainda, nos ajuda a focalizar no público-alvo do programa, trazendo um recorte por faixa de renda da trajetória educacional.
Gráfico 1: Proporção de estudantes de 14 a 30 anos que concluíram as transições educacionais, em relação a transição anterior – Minas Gerais – 2022
Fonte: Elaboração própria a partir de microdados da Pnad Contínua/IBGE (2022)
Gráfico 2: Composição, por faixa de renda, dos estudantes de 14 a 30 anos que concluíram as transições educacionais – Minas Gerais – 2022
Fonte: Elaboração própria a partir de microdados da Pnad Contínua/IBGE (2022)
A importância da matrícula
As transições escolares relacionadas ao ensino médio, como anteriormente dito, são muito importantes na trajetória escolar, seja pela perda de estudantes no início, que não acessam o nível médio, seja pela evasão ao longo dos três anos de estudo. Como é possível ver no Gráfico 1, dos estudantes que concluem o Ensino Fundamental, 86,08% acessam o Ensino Médio. Quando analisamos o recorte de renda, vemos que a faixa mais baixa de renda, com renda domiciliar per capita de até ½ salário mínimo representa 24% dos estudantes que ingressam no ensino médio.
Dentro do programa, uma parte da poupança é voltada para a matrícula em cada um dos anos do ensino médio. Esse incentivo tem como objetivo fazer com que os alunos que concluem o Ensino Fundamental ingressem no Ensino Médio e para que os que concluem um ano, não evadam e ingresse nos seguintes.
A continuidade dos estudos
O que ocorre é que muitas vezes os estudantes acessam o ensino médio e evadem ao longo dos três anos. Quando analisamos os dados de conclusão do ensino médio em Minas Gerais no Gráfico 1, é possível ver que apenas 74,79% dos estudantes que ingressam no ensino médio chegam a concluir o nível de ensino. Dentro do recorte de renda, de 24% na matrícula, os estudantes da faixa mais baixa de renda representam 19% dos concluintes do Ensino Básico.
A segunda parte do incentivo financeira tem como objetivo, justamente, essa continuidade e conclusão dos estudos. Em primeira parte, há um incentivo para a frequência no ano letivo que é paga ao longo do ano. Caso concluso o ano letivo, a um valor referente.
O ENEM como fim e início de ciclo
Por fim, como última parte do incentivo financeiro, o programa prevê um pagamento vinculado à realização do Exame Nacional do Ensino Médio. Como se pode ver no gráfico 1, somente 35,68% dos estudantes que concluem o Ensino Médio entram no Ensino Superior. No recorte de renda, apenas 8% dos estudantes do ensino superior são da faixa mais baixa de renda.
De fato, ainda temos um ensino superior em expansão e ainda pouco democratizado quanto às questões de renda, de raça e geográficas. Tendo a ideia de entrelaçamento dessas desigualdades, o incentivo é importante para tornar o ensino superior mais diverso, para alçar esses estudantes ao nível maior de escolaridade e promover a mobilidade social
O ensino médio e o ensino superior passaram nas últimas três décadas por um processo de expansão que fez multiplicar o número de pessoas que chegavam (e chegam) a esses níveis de ensino. No entanto, é uma trajetória rumo à universalização e a democratização ainda não concluída. Aí entra o papel do governo de promover esses níveis mais avançados de ensino, principalmente para as populações que estão mais vulneráveis ao abandono escolar.
Autores: Alexandre Henrique, sob a orientação do professor Bruno Lazzarotti
*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG
Referências