O Censo Escolar é um instrumento de coleta de informações sobre a educação básica que abrange ensino regular, ensino especial, educação de jovens e adultos e educação profissional e tecnológica. É um documento extremamente importante porque com tais informações é possível formular e reformular políticas públicas educacionais e, tendo isso em vista, é nítida a pertinência de se analisar o Censo Escolar 2023. 

A educação especial e a inclusão de pessoas com deficiências (PCD’s)

Felizmente, nota-se um aumento da inclusão de pessoas com deficiência em classes para pessoas sem deficiência (Gráfico 1). Crochík (2011, p.7) ressalta que: 

“A luta contra os manicômios, contra as escolas especiais e contra as classes especiais tenta evitar a segregação espacial e promover a convivência; diminuiu a segregação física com a esperança de que a convivência entre a população e aqueles que eram segregados pudesse demolir os tabus, os preconceitos. De fato, há estudos que testam a hipótese do contato (ver CROCHÍK, 2000). (…) Alguns estudos indicam que de fato isso ocorre, outros não.”. 

 A “hipótese do contato” afirma que o contato entre pessoas preconceituosas e aquelas que são alvo do preconceito é uma forma de reduzir o problema em questão, no entanto, isso não é suficiente. São necessárias, segundo Crochík (2011) “condições favoráveis”. Assim, o fato de o número de alunos com deficiência fora de classes específicas para esse público ter aumentado não significa, necessariamente, maior inclusão desse, apesar de ser um primeiro passo significativo. Não obstante, há um número baixo de docentes com deficiência, o que demonstra que esse contato atualmente se dá muito mais entre alunos do que entre alunos e docentes (Gráfico 2).

Gráfico 1: Percentual de alunos PCDs que estão incluídos em classes comuns segundo a etapa de ensino (2019-2023)

Fonte: Elaborado pela Deed/Inep com base nos dados do Censo Escolar da Educação Básica

Gráfico 2: Percentual de docentes com deficiência na educação básica (2023)

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

  Infraestrutura: problemática para todos, pior para alguns

Em adição, é possível pontuar uma falta de infraestrutura geral (Gráfico 3) – notavelmente para escolas municipais e estaduais – que podem afetar não só estudantes PCDs, mas os alunos no geral em termos de aprendizado e mesmo de agradabilidade do ambiente escolar. É difícil que um grupo de pessoas seja realmente incluído em um ambiente não tem o básico para possibilitar sua presença. 

Gráfico 3: Recursos relacionados a tecnologia e a infraestrutura no ensino infantil (2023)

Fonte: Elaborado pela Deed/Inep com base nos dados do Censo Escolar da Educação Básica

Escolas indígenas e quilombolas: infraestrutura precária

O racismo é uma das estruturas mais basilares da sociedade brasileira, tais como demonstram Caio Prado Jr, Lélia Gonzalez, Florestan Fernandes, Ailton Krenak e tantas outras teóricas e teóricos. No tópico da infraestrutura, é perceptível a diferença existente entre as escolas “comuns” e as escolas em comunidades indígenas e quilombolas, conforme se observa nos gráficos abaixo (Gráficos 4, 5, 6). 

Gráfico 4: Infraestrutura e recursos por etapa de ensino (2023)

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Gráfico 5: Infraestrutura e recursos por etapa de ensino em escolas com educação indígena (2023)

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Gráfico 6: Infraestrutura e recursos por etapa de ensino em escolas quilombolas (2023)

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Seria possível argumentar que essas diferenças podem ser explicadas por questões culturais, no entanto, se trata de uma informação falaciosa. A partir do Censo Escolar de 2022, o jornal Métropoles averiguou que: 

(…) cerca de 30% das instituições de ensino que oferecem educação escolar indígena funcionam sem acesso à energia elétrica. Mais de 46% não contam com esgoto, e cerca de 9% funcionam sem abastecimento de água. Apenas 33,7% desses centros de ensino têm acesso à internet. (…) De acordo com dossiê da Organização de Professores Indígenas do Município de Oiapoque (Opimo), a que a reportagem teve acesso, falta até mesmo o básico de infraestrutura. (…) Além das demandas por energia elétrica e melhoras no abastecimento de água, as escolas das terras indígenas Uaçá, Juminá e Galibi, no Oiapoque, demandam transporte fluvial, material escolar e de limpeza. As dificuldades se estendem ao armazenamento de alimentos para merenda e ao acesso à internet. (Salomão, 2023)

 Destarte, a falta de infraestrutura é um problema recorrente e relevante que merece a devida atenção do Poder Público.

Juntos, mas ainda separados… o racismo se manifestando na educação brasileira

Retornando ao tópico da teoria do contato e pensando que o contato com docentes também importa, é preocupante que exista uma diferença entre o número de docentes negros e brancos que não é proporcional ao tamanho dessas populações (Gráfico 7)  – 55,5% dos brasileiros são pretos e pardos e 43,5% brancos. (Benevides, Medeiros, 2023).

Gráfico 7: Percentual de docentes da educação básica por cor/raça (2023)

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Em adição, os dados demonstram que comunidades não-brancas são mais afetadas por problemas como abandono escolar (Imagens 1, 2 e 3); tal  é problemático considerando o importante papel socializador da educação e as oportunidades que essa pode gerar tanto para o desenvolvimento profissional como para o desenvolvimento pessoal.

Imagem 1: Gráficos sobre abandono escolar nos anos iniciais do ensino fundamental

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Imagem 2: Gráficos sobre abandono escolar nos anos finais do ensino fundamental

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Imagem 3: Gráficos sobre abandono escolar no ensino médio

Fonte: Painel de Resultados do Censo da Educação (2023)

Enfim, a educação brasileira ainda é uma forma de reprodução de preconceitos e desigualdades, seja por sua estrutura ou por seu conteúdo. A produção de dados como os do Censo Escolar são importantes para medir e constatar a presença de tais preconceitos e desigualdades que se estendem muito além do que os que foram apresentados nesse texto, afinal, trata-se apenas de um recorte. É vital que o Poder Público, por meio de dados como os citados, busque mudar a realidade atual, fazendo da educação cada vez mais igualitária e inclusiva. 

 

Autora: Alessandra Von Döllinger, sob orientação do professor Bruno Lazzarotti

*O Observatório das Desigualdades é um projeto de extensão. O conteúdo e as opiniões expressas não refletem necessariamente o posicionamento da Fundação João Pinheiro ou do CORECON – MG

 

Referências Bibliográficas:

BENEVIDES, G.; MEDEIROS, I. 55,5% dos brasileiros se autodeclaram pretos ou pardos; brancos são 43,5%. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/555-dos-brasileiros-se-autodeclaram-pretos-ou-pardos-brancos-sao-435/>. Acesso em: 15 mar. 2024.

CROCHÍK, J. L. Preconceito e Inclusão. Revista do instituto cultural judaico marc chagall, v. 3, p. 32–42, 2011.

Estatísticas Censo Escolar. Disponível em: <https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/inep-data/estatisticas-censo-escolar>. Acesso em: 15 mar. 2024.

INEP; DEED. Censo Escolar Da Educação Básica 2023: Resumo Técnico. [s.l: s.n.].

SALOMÃO, M. Sem água e energia: falta de infraestrutura desafia escolas indígenas. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/sem-agua-e-energia-falta-de-infraestrutura-desafia-escolas-indigenas>. Acesso em: 15 mar. 2024.

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