Conforme já abordamos em diversas oportunidades em nossos boletins, a desigualdade social não é uma necessidade, nem tampouco uma tendência única de todos os países, mas o resultado de contextos e escolhas que as sociedades fazem. Uma boa maneira de comprovarmos isso é comparando os resultados relativos às desigualdades sociais tempos depois da implementação determinadas políticas públicas voltadas para a garantia de direitos historicamente negados às classes mais vulneráveis, bem como depois de eventuais interrupções ou reduções delas. É o que mostraremos agora, analisando os dados relativos ao acesso à educação superior brasileira em uma perspectiva temporal.

O gráfico nos mostra a evolução da participação de estudantes de graduação que estão entre os 70% mais pobres e os 30% mais ricos da distribuição de renda per capita familiar de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) (2001-2015) e a Pnad Contínua (2012-2017). É possível observamos a clara tendência à maior participação dos 70% mais pobres, que desacelera recentemente, havendo um novo afastamento das curvas a partir de 2016.

Mas como isso se relaciona com as políticas públicas brasileiras de acesso ao ensino superior?

Segundo estudo realizado por Ana Luíza Matos de Oliveira (2019), de 2001 a 2015 o Brasil avançou na ampliação do acesso ao ensino superior, com aumento significativo no número de matriculados no período, passando de 3.501.647 para 7.230.364 entre tais anos, sendo o crescimento de 106,48%. Somado a isso, embora persistam importantes desigualdades, evoluiu a democratização do acesso, como mostra o gráfico, o que pode ser atribuído a uma série de políticas públicas adotadas no país, como a criação/expansão do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), das ações afirmativas – sendo a principal delas a lei nº 12.711/2012, que garantiu a reserva de cotas raciais e sociais nas universidades públicas –, do Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil), do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), do Prouni (Programa Universidade para Todos) e do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), associados ao crescimento econômico e melhorias na distribuição de renda.

Mas, a partir de 2015, para além da crise no mercado de trabalho, há cortes no orçamento da educação superior com fortes impactos nas políticas públicas, como, por exemplo, a redução do Reuni e do Fies, conforme mostrado na reportagem “Educação superior brasileira: inclusão interrompida?”, publicada no jornal Nexo. Segundo a matéria, “o quadro é agravado pela Emenda Constitucional 95/2016, que provoca competição entre as áreas sociais, pois, para que uma área tenha aumento real em seus gastos, é preciso que outra perca.

Também, na prática, a medida desvincula os gastos com saúde e educação: o mínimo para os gastos públicos da União com educação, estabelecido pelo artigo 212 da Constituição, é de 18% da RLI (Receita Líquida de Impostos), mas com a nova regra o gasto federal real mínimo com educação foi congelado no patamar de 2017 (R$ 49 bilhões), caindo ao longo do tempo em proporção da RLI e do PIB (Produto Interno Bruto)”.

A reportagem ainda nos traz que, “sobre os dois fatores principais que provocam desaceleração no crescimento da inclusão (crise no mercado de trabalho e cortes nas políticas), enquanto a situação no mercado de trabalho pode em teoria melhorar e impactar a capacidade das famílias de manter integrantes na educação superior, a austeridade impede o aumento do orçamento da política pública nos próximos 20 anos. O quadro se agrava, agora, em 2019, com a queda da arrecadação do governo e o contingenciamento de despesas na área”.

Análise extraída de:

Oliveira, A. L. M. (2019) Educação Superior brasileira no início do século XXI: inclusão interrompida? Tese de Doutorado, IE/Unicamp. Disponível em: https://www.academia.edu/38960727/Educa%C3%A7%C3%A3o_Superior_brasileira_no_in%C3%ADcio_do_s%C3%A9culo_XXI_inclus%C3%A3o_interrompida.

Nexo Jornal: “Educação superior brasileira: inclusão interrompida?”.  Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2019/Educa%C3%A7%C3%A3o-superior-brasileira-inclus%C3%A3o-interrompida

Autora: Luísa Filizzola Costa Lima [graduanda em Administração Pública na FJP], com coordenação de Bruno Lazzarotti Diniz Costa [professor e pesquisador – FJP]

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